A
melhor resposta da democracia americana ao autogolpe que o (ainda?) presidente
Donald Trump tentou ao incentivar seus militantes a impedir a formalização pelo
Congresso da eleição de Joe Biden à presidência dos Estados Unidos seria
utilizar a 25ª emenda para não deixa-lo continuar no cargo por incapacitação
física, ou impedi-lo, com o apoio da Câmara, que tem maioria Democrata, e do
Senado, com maioria Republicana.
“Autogolpe”
é como o professor de governabilidade da Universidade Harvard, Steven Levitsky,
co-autor do livro “Como as Democracias Morrem”, classifica a invasão do
Congresso em entrevista à BBC em espanhol. Consequência de "quatro anos de
descrédito e deslegitimação da democracia" por parte do Partido
Republicano e de Trump. Também foi um assunto polêmico desde que, na campanha
presidencial, o candidato a vice, General Hamilton Mourão, admitiu o
”autogolpe” como uma possibilidade no cenário político brasileiro.
Para
ele, "a grande diferença entre esse autogolpe e os autogolpes na América
Latina é que Trump foi completamente incapaz de obter o apoio dos
militares", e "um presidente que tenta permanecer no poder
ilegalmente sem o apoio dos militares tem poucas chances de sucesso".
Essa
análise de Levitsky vai ao encontro de diversos estudos acadêmicos sobre a
militarização do governo Bolsonaro, ou a “bolsonarizacao” dos quartéis, que
estamos discutindo nos últimos dias. Até ontem, podíamos especular sobre a
possibilidade de termos aqui os acontecimentos decorrentes da negação de Trump
em aceitar a derrota na eleição presidencial. Mas Bolsonaro deixou claro, ao
apoiar Trump nas acusações de fraude nas eleições americanas, que pode haver,
sim, uma rebelião como a que o presidente americano organizou.
Ao
dizer que podemos ter coisa pior, se não houver cédula física nas próximas
eleições, ameaça e pressiona a Justiça Eleitoral. Especulamos sobre o assunto
quando ele, no início do governo, tentou várias vezes desmoralizar o Congresso,
o STF, a imprensa independente, e seus militantes mais radicais atacaram com
fogos de artifício o STF. Também quando fez comício contra as instituições em
frente ao quartel-general do Exército em Brasília, numa clara provocação.
A especulação ganha foros de verdade quando ele diz claramente que vai haver problema “mais sério” entre nós. O presidente não convive com a democracia, autoritário, querendo sempre mais poder. Por isso, as instituições da democracia deveriam impedir que essa tendência autoritária se revertesse em influência nas Forças Armadas.
A
“transição militar”, que deve ocorrer com a transição política para a
democracia segundo Narcís Serra, acadêmico catalão e respeitado ministro da
Defesa da Espanha entre 1982 e 1991, é lembrada em um estudo do cientista
político Octavio Amorim Neto, da FGV do Rio, e Igor Acácio, doutorando em
Ciência Política pela Universidade da Califórnia, sobre o papel político dos
militares sob Bolsonaro, publicado na edição em português do Journal of
Democracy, editado pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso.
As
transições militares têm três etapas: evitar golpes de Estado; remover os
militares da política, privando-lhes de qualquer veto às decisões de governo
que não digam respeito à defesa nacional e reduzindo drasticamente sua
autonomia; o estabelecimento da supremacia civil.
Para
os dois estudiosos, até há pouco o Brasil se encontrava na segunda, e ensaiava
ingressar na última etapa. “O primeiro retrocesso decorrente do padrão de
relacionamento engendrado por Bolsonaro com as Forças Armadas é óbvio: enquanto
permanecer alta a presença dos militares no governo, a ideia de estabelecer a
supremacia civil está suspensa”, diz o estudo.
Para os autores, “estamos correndo o risco de voltar à primeira etapa da transição militar, pois, no primeiro semestre de 2020, a agenda política brasileira foi marcada por um intenso debate em torno da possibilidade de um golpe militar ou de uma extremamente controversa intervenção das Forças Armadas, ao abrigo do Artigo 142 da Carta Magna, nos conflitos entre o Executivo e o Supremo Tribunal Federal. O terceiro retrocesso : as tendências recentes do sistema internacional, com crescentes tensões dentro e fora do entorno estratégico brasileiro, podem encontrar o país sem consenso social e político para canalizar recursos para os projetos das Forças Armadas. (Amanhã, sugestões para superar os retrocessos).
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