O Estado de S. Paulo
É chegado o momento de o Brasil considerar
a elaboração de documento de Estado, mais abrangente, com ênfase no conceito
mais amplo de Segurança
Muitos países anunciam periodicamente a
estratégia que suas políticas doméstica e externa devem seguir. O governo de
Washington acaba de divulgar a estratégia de segurança nacional, que será
seguida em resposta aos desafios do mundo atual. O documento, assinado pelo
presidente Joe Biden, define uma visão para o futuro e oferece um roteiro de
como os EUA pretendem atingir seus objetivos. Deve ser ressaltado que esse
documento se refere à segurança nacional, e não à defesa nacional.
Depois de indicar as prioridades internas para fortalecer a economia, a competitividade e a defesa dos interesses comerciais e estratégicos, a Estratégia Nacional de Segurança (ENS) focaliza as prioridades globais norte-americanas. Entre as áreas de maior interesse dos EUA estão: a contenção da ascensão da China e as ações contra a Rússia, a superação dos desafios globais, como a segurança climática e energética, a pandemia, a biodefesa e a insegurança alimentar. E, ainda, o controle de armamentos e a sua não proliferação, o terrorismo e como exercer influência sobre o estabelecimento de regras sobre tecnologia, segurança cibernética, economia e comércio exterior.
Na parte final está enunciada a estratégia
dos EUA por região: “Apoiar a região do Indo-Pacífico (mar do Sul da China) para
permanecer aberta e com liberdade; aprofundar a aliança com a Europa;
fortalecer a democracia e a prosperidade compartilhada no Hemisfério Ocidental;
apoiar a redução das tensões e promover a integração no Oriente Médio;
construir uma parceria para o século 21 com a África; manter o Ártico pacífico
e proteger o mar, o ar e o espaço”.
No tocante às Américas, as prioridades do
governo de Washington se concentram na “expansão das oportunidades econômicas,
no fortalecimento da democracia e na construção da segurança com o objetivo de
reforçar a estabilidade nacional, regional e global”. “Para tanto, os EUA
pretendem interagir com os países da região e ampliar a colaboração
multilateral e institucional, além de ajudar no desenvolvimento de iniciativas
regionais, o fortalecimento das instituições econômicas regionais, assegurar
cadeias de fornecimento, criar emprego com energia limpa, promover a
descarbonização, assegurar comércio sustentável e inclusivo, além de promover
investimentos que possam aumentar a eficácia da administração pública”. É de
notar que o Brasil nem sequer é mencionado explicitamente no documento de
estratégia dos EUA.
Imigração, saúde e mudança de clima
receberam um tratamento específico. “A questão da imigração, inclusive dos 6
milhões de venezuelanos, deve ser vista como um esforço conjunto para
estabilizar as populações que migram e para substituir a migração irregular por
fluxos ordenados que podem alimentar o crescimento econômico nos EUA e em toda
a região. O governo americano vai perseguir esses esforços conjuntos para
assegurar uma atitude justa, organizada e humana para controlar a imigração e
implementar a segurança da fronteira norte-americana e proteger os interesses
dos EUA”. “Os problemas de saúde em razão da covid e do fornecimento de vacinas
merecerão o apoio dos EUA, em especial os países da América Central e do
Caribe”. A crise climática está no centro da estratégia americana, que vai
“utilizar os esforços de mitigação e adaptação para a recuperação econômica
norte-americana e para proteger ecossistemas florestais, inclusive pela
promoção do comércio e investimento em energia limpa para alcançar uma meta
coletiva de 70% da capacidade instalada para a geração de energia renovável no
setor elétrico da região até 2030, além de mobilizar recursos financeiros e
outras formas de apoio para promover a conservação da Floresta Amazônica”,
referindo-se talvez ao pedido de apoio feito pela Colômbia.
Os EUA deverão “apoiar os países da região
para uma governança que responda às necessidades dos cidadãos, defenda os
direitos humanos, combata a violência de gênero, a corrupção e proteja contra a
interferência externa, inclusive da China, da Rússia e do Irã. Com o apoio das
instituições interamericanas e em parceria com a sociedade civil e outros
governos, os EUA respaldarão a autodeterminação democrática na Venezuela, em
Cuba e na Nicarágua”. O governo de Washington “assistirá os países da região
para evitar ameaças à segurança dos EUA por ações internas nos países do
hemisfério, ou transnacionais de tráfico de drogas e de pessoas, ou mesmo por
ações para se estabelecer na região para ganhos militares ou de inteligência”,
menção indireta à China e à Rússia.
No Brasil, desde a década de 90, a cada
quatro anos são editados a Política Nacional de Defesa, a Estratégia
Nacional de Defesa e o Livro Branco da Defesa. Esses documentos,
coordenados pelo Ministério da Defesa, oferecem uma visão das prioridades do
governo de turno do ponto de vista militar, mas não de uma percepção mais
abrangente dos interesses do País. É chegado o momento de considerar a
elaboração de documento de Estado, mais abrangente, uma grande estratégia, que
possa tratar das prioridades domésticas, de defesa e da política externa com
ênfase no conceito mais amplo de Segurança, despida dos preconceitos criados
pela sua utilização, como doutrina, nos governos de 1964-1985.
*Presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)
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