quarta-feira, 26 de junho de 2024

Lu Aiko Otta - Tripé macro sob pressão alimenta turbulências

Valor Econômico

Atual governo flerta com alternativas que, num passado recente, provocaram recessão

Colocar água na fervura foi a opção do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao comentar a ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada ontem. O documento fala em “eventuais ajustes futuros” na taxa de juros, mas o ministro preferiu enfatizar a mensagem que os cortes na taxa Selic foram “interrompidos” para melhor avaliação dos cenários externo e interno.

Fez bem o ministro, ao empurrar o debate para o campo da normalidade institucional. As bases da política econômica brasileira estão hoje sob pressão, e isso tem sido ruim.

Gera nervosismo a incerteza quanto à manutenção do tripé que organizou a macroeconomia brasileira nos últimos 30 anos: geração de superávits primários para manter o endividamento sob controle, inflação domada pelo regime de metas e câmbio flutuante.

O atual governo flerta com alternativas que, num passado recente, provocaram recessão. As exceções são Haddad e a ministra do Planejamento, Simone Tebet.

Nas celebrações dos 30 anos do Real, alguns de seus “pais” avaliaram a consolidação do plano nos dias de hoje.

O tripé está um pouco manco, disse Persio Arida. Referia-se os déficits primários registrados nos anos recentes.

É preciso retornar aos fundamentos do plano de estabilização, acrescentou Edmar Bacha, ao relembrar a flexibilização do Orçamento proporcionada pela antiga Desvinculação de Receitas da União (DRU). Como no passado, a trajetória explosiva das despesas obrigatórias está hoje na ordem do dia.

Pedro Malan sugeriu a releitura do Programa de Ação Imediata (PAI), de 1993. É um precursor do Real que enfatiza a importância de contas organizadas como condição para a estabilidade de preços.

Assim, na visão dos três, ainda há velhos desafios a serem superados, para se concretizar o projeto de desenvolvimento econômico, social e político-institucional do país que é o Real.

Eles afirmam, por outro lado, que inflação elevada não volta, porque os eleitores punem nas urnas os aventureiros que colocam a estabilidade em risco. Daí a importância da democracia.

Olhando para os 30 anos do Real, é possível ver que, há dez anos, o país passou por um momento de incerteza parecido com o atual. A então presidente Dilma Rousseff colocava em operação um modelo alternativo ao tripé, a Nova Matriz Macroeconômica.

Os dois anos seguintes foram de crise e retração da economia.

Toda vez que, no atual mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstra simpatia pelas ideias que orientaram aquele experimento, a turbulência toma conta dos mercados.

Hoje, por exemplo, há dúvidas quanto ao futuro da perna fiscal do tripé. E receio de interferência política na perna monetária.

No fiscal, Haddad e Tebet preparam propostas para atacar renúncias fiscais e gastos obrigatórios. São temas impopulares. É pouco provável que Lula dê um sinal mais assertivo de apoio à dupla.

Até agora, o máximo que ele fez foi não interditar o debate, quando foi apresentado às dificuldades para se fechar a proposta de Orçamento de 2025. Pelo contrário, deu sinal verde às discussões.

As próximas decisões sobre gastos públicos dirão qual é o espaço disponível para o ajuste fiscal. No próximo dia 22, pode ser anunciado um contingenciamento de despesas, de forma a assegurar o cumprimento da meta de déficit zero de 2024. Se ocorrer, é certa a chiadeira da ala política do governo. No dia 31 de agosto, será apresentado o projeto de Orçamento para 2025, com possíveis medidas de contenção de despesas. Mais chiadeira.

Na política monetária, está em curso a reconstrução da imagem de independência técnica do Banco Central. O voto unânime pela manutenção da taxa Selic em 10,5% foi um primeiro passo.

Deve sair hoje o decreto que regula a meta contínua de inflação. Há um ano, Haddad anunciou que seria de 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto, para valer a partir do ano que vem.

Aos trancos e barrancos, o tripé vai resistindo.

Dinheiro, tem

Voltou ontem à Terra a sonda espacial que os chineses enviaram para coletar material no lado escuro da Lua. Aquele país é uma potência científica e chegou a esse ponto gastando proporcionalmente menos do que o Brasil em educação, ressaltou o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega.

Os números são do Banco Mundial. Em 2020, o Brasil gastou 5,8% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em educação. A China, 3,3% de seu PIB. Com alguns períodos sem informação, a série histórica mostra o gasto brasileiro acima do chinês desde 1998.

Mas, notou o ex-ministro, os estudantes brasileiros estão na rabeira do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Na sua visão, falta qualidade no ensino.

Chamou a atenção de Mailson o olhar proposto por Tebet para os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Ela destacou que o país aportará R$ 72,4 bilhões no ensino básico em 2028 (ante R$ 2 bilhões em 2007), num momento em que o número de matrículas está em queda e os resultados no Pisa não são bons.

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