A ENCENAÇÃO DO PRESIDENTE
Editorial
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Ao chamar de mentiroso o delegado Protógenes Queiroz, da Polícia Federal (PF), por ter difundido a história - verdadeira - de que foi removido do comando da Operação Satiagraha por uma decisão política, o presidente Lula representava seu papel numa farsa muito mal ensaiada por seus protagonistas. Obter o afastamento do delegado foi o único motivo da tensa reunião ocorrida na sede da superintendência da PF em São Paulo, segunda-feira à noite. Dela participaram, além do próprio Protógenes e de seus colaboradores mais próximos no caso, o superintendente regional e emissários da cúpula do órgão. Num esforço inútil para evitar que a sua saída fosse interpretada como um acerto para beneficiar o banqueiro Daniel Dantas - ou como precaução contra novas evidências do envolvimento de gente próxima do governo com o principal alvo da Satiagraha - fabricou-se a esfarrapada versão do desligamento “a pedido”: o delegado precisaria concluir um curso de 30 dias, iniciado em março.
Deu tudo errado.
De pronto, ele resistiu ao arranjo, pedindo para continuar instruindo o inquérito, embora longe dos holofotes, pelo menos nos sábados e domingos, quando não teria aulas a freqüentar em Brasília. No relato da Polícia Federal, foi como se ele tivesse querido abandonar a investigação, ou dela se ocupar apenas nos fins de semana. “A sugestão não foi acatada, já que traria prejuízo às pessoas convidadas a prestar esclarecimentos”, foi o máximo que uma nota da PF conseguiu tecer. Vencido, Protógenes não só contou a amigos o que se passara, mas ainda lhes disse que a gravação mostra como os fatos se passaram. Fingindo ignorá-los - e fazendo de conta que nada tinha a ver com o defenestramento -, Lula simulou uma repreensão a “esse cidadão”, que “não pode, depois de fazer todas as coisas que tinham de ser feitas no processo, na hora de finalizar o relatório dizer ‘eu vou embora fazer meu curso’ e ainda dar vazão a insinuações de que foi tirado”.
Na realidade, resolveu atirar no cidadão depois de ser alertado sobre os efeitos adversos, para o governo, de sua retirada abrupta. A advertência chegou tarde, depois que circulou pela mídia a versão de que o presidente, o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa - nem sempre pelos mesmos motivos -, queriam ver Protógenes pelas costas. Por isso, sob a suspeita de que ordenara uma operação-abafa para poupar Daniel Dantas, Lula tratou de se desvincular do problema, culpando o policial pelo que, afinal, lhe fizeram. Implicitamente, porém o bastante para os insiders entenderem, também alvejou Genro e Corrêa, porque não teriam sabido conduzir a fritura, sem respingos na imagem presidencial. É pouco provável que a descompostura tenha outro resultado além de evidenciar, pela enésima vez, que Lula jamais se afogará por ter cedido a alguém o último colete salva-vidas.
A esta altura, de fato, ele não tem como “desvazar” as gravações que lançam luz sobre o acesso ao Planalto dos interesses do banqueiro de quem Lula guarda profilático distanciamento. Companheiros históricos do presidente, como o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh e, mais ainda, o seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, foram flagrados cuidando, de uma forma ou de outra, das conveniências de Dantas. Também o nome da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, entrou no circuito, embora ela possa invocar ter dito certa vez a Greenhalgh que o seu cliente era “encrenca”. Sintomaticamente, nenhum deles joga no time de Tarso Genro. Ao ministro se atribui, por exemplo, a intenção de se substituir à “mãe do PAC” como eventual candidato petista à sucessão de 2010. E o antagonismo entre ele e o ex-ministro José Dirceu - que quis aproximar Dantas de Lula - é escancarado.
O que leva a pensar que, se a equipe de Lula e a Polícia Federal têm algo em comum, é a onipresença de suas facções. Os críticos mais estrepitosos do desempenho de Protógenes são do grupo do diretor-geral Corrêa (que não o perdoa por tê-lo mantido no escuro sobre as gravações de petistas). Já os seus defensores se alinham com o antecessor de Corrêa e atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Paulo Lacerda. A decisão de Protógenes de envolver a Abin na investigação, aliás, polarizou a corporação e foi decisiva para a sua degola. Na hora da crise, as divisões se acentuam - e escapam ao controle da hierarquia.
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