Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Na Bolívia, no Cáucaso, na África e até mesmo na consolidada Europa a moda é separar-se. Ao invés de juntar-se em torno de Estados sólidos e ideais humanistas, a humanidade aposta em divórcios, não agüenta a pressão para aproximações, prefere diferenciações. As tecnologias associam criaturas e entidades, as ideologias as dissociam. Ser livre, absolutamente livre, tornou-se mais importante do que ser igual. Um frenesi pela identidade percorre o mundo contemporâneo e como efeito perverso fortalece o tribalismo.
O Brasil não está infenso à praga da desunião. Messianismos agigantam os egos e, onde há egos superdimensionados, o singular tenta impor-se ao plural. Mal começada a Era da Globalização prenuncia-se a Era das trincaduras e rachas. O resultado é visível nos quatro cantos do mundo: os impulsos federativos produzidos no pós-guerra deságuam em ímpetos separatistas.
Apontada como paradigma de ordem, estabilidade e prosperidade, a Bélgica deixou de ser um ente nacional a partir de 1993. Sede da União Européia, o pequeno país-modelo torna-se progressivamente um estado bi-nacional, ou não-nacional, dividido entre valões (francófonos) e flamengos (de fala holandesa). Como são civilizados, não se guerreiam, confiam nas forças centrífugas e aguardam a cisão final, o que levou o rei Alberto II a apelar, desesperado: “Devemos inventar novas formas de conviver.”
Não menos desesperado e frustrado sentiu-se Simon Bolívar ao assistir ao desmembramento da América espanhola nas primeiras décadas do século 19. O fervor independentista e as desmesuradas ambições das novas lideranças políticas inviabilizaram qualquer movimento associativo das províncias recém-liberadas. Ganharam a liberdade e perderam a força.
A Bolívia foi, talvez, a maior vítima da fragmentação. As divisões étnicas, associadas às descontinuidades geográficas e, principalmente, ao sectarismo ideológico criaram um país retalhado em todas as direções. Seduzido pelo sonho de redimir os indígenas – aimaras e quíchuas – o presidente Evo Morales não prestou atenção às disparidades intrínsecas e preferiu abrir mão de ser o presidente de todos os bolivianos.
Ao invés de unir, exacerbou fissuras. O fantasma do secessionismo, que novamente ameaça a integridade territorial boliviana, não pode ser visto simplisticamente como tentativa de “golpe civil”. Esta figura não existe, a tomada do poder fora do calendário eleitoral só poderia fazer-se manu militari e as forças armadas do país vizinho felizmente cansaram-se de aventuras, intervenções e quarteladas.
No entanto, a Bolívia precisa ser urgentemente amparada por vizinhos dispostos a oferecer-lhe doses maciças de cola e cimento. O país precisa agregar-se, a influência bravateira de Chávez só fortalecerá seus instintos desagregadores e suicidas.
A dramática situação em nossa fronteira oeste deveria servir de reflexão para os estrategistas instalados no Planalto Central com oas suas almas massageadas pelos espetaculares resultados das pesquisas de opinião.
A esdrúxula e ilegítima cooperação entre a PF e a Abin no decorrer da Operação Satiagraha foi mantida na clandestinidade ao longo de meses e só veio a público porque certas facções extremistas resolveram sair das sombras através de vazamentos docilmente publicados na grande imprensa.
E, de repente, somos obrigados a nos defrontar com uma realidade “boliviana”: os órgãos de segurança do Estado estão em litígio, sem comando e cumprem desígnios alheios às suas funções constitucionais. O Estado de Direito, de repente, ficou capenga. A tal “firmeza da verdade” inspirada na vida do Mahatma Gandhi ao invés de produzir estados contemplativos acionou uma dinâmica irracional.
Um racha dessas dimensões, em área tão sensível, na véspera de eleições, pode produzir efeitos desastrosos. O episódio, felizmente, não foi politizado como aconteceu há quase dois anos com a divulgação do dossiê Vedoin. Mas ninguém sabe o que a nova safra de “aloprados”, livres e altamente equipados, são capazes de urdir nos subterrâneos do Estado.
» Alberto Dines é jornalista.
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Na Bolívia, no Cáucaso, na África e até mesmo na consolidada Europa a moda é separar-se. Ao invés de juntar-se em torno de Estados sólidos e ideais humanistas, a humanidade aposta em divórcios, não agüenta a pressão para aproximações, prefere diferenciações. As tecnologias associam criaturas e entidades, as ideologias as dissociam. Ser livre, absolutamente livre, tornou-se mais importante do que ser igual. Um frenesi pela identidade percorre o mundo contemporâneo e como efeito perverso fortalece o tribalismo.
O Brasil não está infenso à praga da desunião. Messianismos agigantam os egos e, onde há egos superdimensionados, o singular tenta impor-se ao plural. Mal começada a Era da Globalização prenuncia-se a Era das trincaduras e rachas. O resultado é visível nos quatro cantos do mundo: os impulsos federativos produzidos no pós-guerra deságuam em ímpetos separatistas.
Apontada como paradigma de ordem, estabilidade e prosperidade, a Bélgica deixou de ser um ente nacional a partir de 1993. Sede da União Européia, o pequeno país-modelo torna-se progressivamente um estado bi-nacional, ou não-nacional, dividido entre valões (francófonos) e flamengos (de fala holandesa). Como são civilizados, não se guerreiam, confiam nas forças centrífugas e aguardam a cisão final, o que levou o rei Alberto II a apelar, desesperado: “Devemos inventar novas formas de conviver.”
Não menos desesperado e frustrado sentiu-se Simon Bolívar ao assistir ao desmembramento da América espanhola nas primeiras décadas do século 19. O fervor independentista e as desmesuradas ambições das novas lideranças políticas inviabilizaram qualquer movimento associativo das províncias recém-liberadas. Ganharam a liberdade e perderam a força.
A Bolívia foi, talvez, a maior vítima da fragmentação. As divisões étnicas, associadas às descontinuidades geográficas e, principalmente, ao sectarismo ideológico criaram um país retalhado em todas as direções. Seduzido pelo sonho de redimir os indígenas – aimaras e quíchuas – o presidente Evo Morales não prestou atenção às disparidades intrínsecas e preferiu abrir mão de ser o presidente de todos os bolivianos.
Ao invés de unir, exacerbou fissuras. O fantasma do secessionismo, que novamente ameaça a integridade territorial boliviana, não pode ser visto simplisticamente como tentativa de “golpe civil”. Esta figura não existe, a tomada do poder fora do calendário eleitoral só poderia fazer-se manu militari e as forças armadas do país vizinho felizmente cansaram-se de aventuras, intervenções e quarteladas.
No entanto, a Bolívia precisa ser urgentemente amparada por vizinhos dispostos a oferecer-lhe doses maciças de cola e cimento. O país precisa agregar-se, a influência bravateira de Chávez só fortalecerá seus instintos desagregadores e suicidas.
A dramática situação em nossa fronteira oeste deveria servir de reflexão para os estrategistas instalados no Planalto Central com oas suas almas massageadas pelos espetaculares resultados das pesquisas de opinião.
A esdrúxula e ilegítima cooperação entre a PF e a Abin no decorrer da Operação Satiagraha foi mantida na clandestinidade ao longo de meses e só veio a público porque certas facções extremistas resolveram sair das sombras através de vazamentos docilmente publicados na grande imprensa.
E, de repente, somos obrigados a nos defrontar com uma realidade “boliviana”: os órgãos de segurança do Estado estão em litígio, sem comando e cumprem desígnios alheios às suas funções constitucionais. O Estado de Direito, de repente, ficou capenga. A tal “firmeza da verdade” inspirada na vida do Mahatma Gandhi ao invés de produzir estados contemplativos acionou uma dinâmica irracional.
Um racha dessas dimensões, em área tão sensível, na véspera de eleições, pode produzir efeitos desastrosos. O episódio, felizmente, não foi politizado como aconteceu há quase dois anos com a divulgação do dossiê Vedoin. Mas ninguém sabe o que a nova safra de “aloprados”, livres e altamente equipados, são capazes de urdir nos subterrâneos do Estado.
» Alberto Dines é jornalista.
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