Pode-se identificar, a um só tempo, semelhança (alguma) e diferença (grande) entre os papéis desempenhados por Antonio Palocci e por Guido Mantega, respectivamente, no início do primeiro mandato de Lula, em 2003, e no de Dilma Rousseff, agora. A semelhança evidencia-se nas tarefas equivalentes atribuídas a Palocci, nove anos atrás, e a Mantega, hoje, do enfrentamento de complicações macroeconômicas, em especial pressões inflacionárias, geradas nas fases finais das administrações anteriores. Com a ressalva de que tais complicações merecem tratamentos bem distintos quanto às causas e à responsabilidade política.
Pois as tarefas que foram conferidas a Palocci decorriam não de erros ou desvios na gestão da economia praticados pelo governo FHC. Mas de dividendos diretos do chamado “risco Lula”. Risco ameaçador da estabilidade da economia e da continuidade do crescimento até a divulgação da “Carta aos Brasileiros”, no meio da disputa presidencial; depois disso sendo progressivamente reduzido e, com a nova administração, exigindo ações concretas para comprovação do compromisso nela contido de realismo econômico. Compromisso que Palocci, como inspirador da “Carta”, pode cumprir a contento até ser substituído – junto com sua equipe pró-mercado e reformista – no ministério da Fazenda.
Já as tarefas cometidas este ano a Mantega – semelhantes quanto ao objetivo imediato da contenção de um processo de descontrole inflacionário, mas encaminhadas por meio de critérios muito diferentes, por sua precária consistência, e de par com perspectivas e medidas de aumento do controle estatal da economia – estas tarefas constituem tentativa de resposta a complicações, graves, de responsabilidade do governo anterior, do qual o de Dilma é basicamente uma extensão política, senão administrativa. Complicações geradas sobretudo pela explosão dos gastos públicos e pelo aumento do gigantismo estatal. Entre cujos efeitos destacam-se o salto da inflação já para o limite superior da meta (vinculado à forte tendência de reindexação geral dos preços), e juros elevadíssimos, tornados indispensáveis para evitar que esse salto seja ainda maior, com a aplicação de uma política cambial que penaliza duramente a indústria brasileira. Agravando as conseqüências que o enorme “custo Brasil” (abusiva carga tributária e agudas carências da infraestrutura) tem para a baixa competitividade de seus produtos.
É com esta conjuntura macroeconômica crítica, mas confiante na reversão dela (pilotada pela dupla Guido Mantega e Nelson Barbosa, este desenvolvimentista estatizante de sua plena confiança, no ministério da Fazenda), que a presidente Dilma segue apostando numa combinação de retomada do controle inflacionário com um aumento do PIB entre 4,5% 5 5%. Se, a despeito de avaliação contrária predominante entre os analistas (inclusive sobre a incompatibilidade dessa combinação), tal expectativa se concretizar, ela desdobraria ao longo do ano o alto índice de apoio que obteve nas pesquisas populares sobre período inicial da gestão, já de olho nas eleições municipais de 2010. Porém isso, embora não tenha à vista ainda nenhum obstáculo político partidário, poderá ser em grande medida dificultado ou inviabilizado pelo comportamento da inflação. Que ela já sabe ou logo aprenderá constitui condicionante básica da popularidade do governo.
A confirmação das projeções que vários analistas estão fazendo - da persistência e do agravamento do processo inflacionário em 2010, para perto ou em torno dos 7%, e do imperativo de novas elevações da taxa Selic – antecipa um cenário de sérios efeitos econômicos e políticos negativos. Capaz até de forçar a presidente a promover uma troca de sua equipe econômica. O que, surpreendentemente, poderia, ou poderá, levá-la – por estado de necessidade e reconhecimento, tardio, da aguda falta de credibilidade das medidas anti-inflacionárias que tem proposto – a deslocar Antonio Palocci da Casa Civil para o comando do ministério da Fazenda. E obviamente, implicaria também uma mudança de qualidade dessas medidas.
Jarbas de Holanda é jornalista
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