quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Cuba e Guantánamo:: Clóvis Rossi

Se é para falar de "direitos humanos em todos os lugares", por que não falar a respeito da ilha toda?

Vou seguir ao pé de letra a recomendação da nossa presidente, Dilma Rousseff, que, em Cuba, disse que é para "falar de direitos humanos em todos os lugares".

De pleno acordo, Dilma. Podemos começar por Cuba? Afinal, um país que não permite o direito básico de ir e vir para seus cidadãos viola um direito humano essencial, não é mesmo, presidente?

Qualquer relatório da Anistia Internacional e/ou da Human Rights Watch forneceria material para vários dias de falatório sobre direitos humanos em Cuba.

E não seria "arma de combate político ideológico" como Dilma parece considerar as críticas a Cuba: essas duas organizações criticam Cuba e Guantánamo, a Venezuela de Chávez e a Colômbia de Uribe, a Rússia de Putin e a Arábia Saudita, firme aliada dos Estados Unidos.

Em vez de falar de "direitos humanos em todos os lugares", Dilma preferiu especificar Guantánamo. A prisão que os Estados Unidos montaram nessa parcela do território cubano é de fato uma aberração.

Mas por que a presidente não falou de Guantánamo diretamente a Barack Obama, quando este visitou o Brasil, em vez de fazê-lo quando está visitando outra aberração, que é o conjunto de violações aos direitos humanos na totalidade da ilha?

Fica parecendo que a presidente, assim como a diplomacia brasileira, segue um raciocínio torpe, que é o de não criticar um dado país porque outro não está sendo criticado. Ora, o correto para quem disse que pretendia colocar os direitos humanos no centro de sua política externa não é calar sobre Cuba porque existe Guantánamo, mas falar de Cuba E de Guantánamo.

E, se é para tratar do assunto em "todos os lugares", qual é a política brasileira para a Síria, país no qual nem o chanceler Antonio Patriota pode negar que as violações aos direitos humanos são "emergenciais", ao contrário do que ele acha de Cuba? OK, o governo brasileiro é contra o uso da força externa para resolver um problema interno.

Até aí, dá para defender. O problema começa quando se verifica que, na Síria, o uso da força nem é cogitado, mas fracassaram todas as gestões diplomáticas até agora desenvolvidas.

A carnificina aumenta, o risco de guerra civil é cada vez mais evidente, e não se sabe o que o governo brasileiro tem a dizer, por mais que toda a Síria tenha se transformado em uma mega Guantánamo.

A força do Brasil para influir na questão síria pode ser perto de zero, mas é também perto de zero em relação a Guantánamo, o que não impediu a presidente de tocar no assunto. Força à parte, ter uma política para direitos humanos, em vez de frases soltas, é algo que engrandece toda democracia.

Seria útil, portanto, que o Itamaraty seguisse a sugestão do lúcido especialista Matias Spektor, professor de relações internacionais da FGV, na Folha.com, e reunisse "numa praia deserta do Nordeste" os cerca de 20 diplomatas brasileiros que trabalharam no Conselho de Segurança, nos dois anos em que o Brasil foi membro rotativo, para sugerir como sair da retranca, em Cuba, Guantánamo ou Síria, e adotar posição pró-ativa consequente com a pregação da presidente.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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