- Folha de S. Paulo
Presidente deve ser responsabilizado pelos estoques de cloroquina inutilmente acumulados
Não é assim tão difícil de entender. Estou seguro de que todos, presidentes e militares incluídos, se se esforçarem um pouquinho, conseguem.
Se você quer saber se a droga X é efetiva para tratar a doença Y, deve recrutar um número tão grande quanto possível (de preferência milhares) de pacientes da moléstia e dividi-lo aleatoriamente em dois grupos. O primeiro, chamado de grupo de tratamento, tomará a droga. O segundo, o grupo controle, não. Idealmente, receberá um placebo.
Aí é só esperar um tempinho e comparar os desfechos dos dois grupos. Se a proporção dos pacientes que se curaram (ou que sobreviveram, que tiveram menos complicações etc.) não for maior entre os que tomaram a droga do que entre os que não a tomaram, isso é um sinal de que ela não funciona.
Mas, se é assim tão simples, por que presidentes e generais insistem no uso da cloroquina contra a Covid-19 mesmo quando já há um bom número de estudos mostrando que ela não traz nenhum benefício dramático e pode provocar efeitos colaterais indesejados?
Há uma diferença importante entre micróbios e pessoas. Vírus e bactérias fazem o tipo “no-nonsense”, isto é, obedecem sem questionar às leis da bioquímica. Pessoas são mais complicadas. Solomon Asch mostrou que um indivíduo pode facilmente ser levado a afirmar que uma linha de um centímetro é maior do que uma de três. Basta que algumas pessoas digam isso em público antes dele. Não há muito limite para as besteiras que podemos fazer sob pressão dos pares ou de líderes.
A insistência na cloroquina indica que presidentes e generais ou não entenderam o bê-á-bá da pesquisa clínica, o que deporia contra sua inteligência, ou estão mais interessados em iludir pessoas do que em combater o vírus, o que denotaria irresponsabilidade.
Em qualquer caso, o Ministério Público deveria mandar para o Jair a conta pelos estoques de cloroquina inutilmente acumulados.
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