Correio Braziliense
Tancredo Neves, depois de eleito, deu uma volta ao mundo para se mostrar como o novo presidente do Brasil. Parou em Washington. Conversei com ele longamente na Embaixada do Brasil
Quarenta anos passaram muito rapidamente e,
neste período, o país mudou bastante. Na época, não havia internet nem telefone
celular. Os jornalistas eram obrigados a conversar pessoalmente com suas
fontes, frequentar almoços, jantares e, não raro, café da manhã para saber das
novidades, que ocorriam com velocidade alucinante. O regime militar estava
desmoronando, com inflação elevadíssima, o presidente João Figueiredo fora de
combate, depois que operou o coração, e o poder estava nas mãos do chefe da Casa
Civil, Leitão de Abreu. O equilíbrio político era muito precário.
A política estava nas ruas desde 1984, quando a campanha em favor das eleições Diretas Já incendiou o país. A emenda do deputado Dante de Oliveira pretendia que as eleições para presidente da República fossem realizadas, de maneira direta, naquele ano. O Congresso não aprovou a medida. Mas a mobilização continuou em todo o país. A resposta do governo foi convocar o Colégio Eleitoral, que era constituído por membros do Congresso Nacional mais representantes dos estados. Foi a maneira imaginada para controlar a eleição. Não deu certo.
O Partido Democrático Social (PDS), sucessor
da antiga Arena, realizou uma eleição primária para escolher seu candidato
à Presidência da República nas eleições de 1985. Duas pré-candidaturas
surgiram: a do ex-governador de São Paulo e então deputado federal Paulo
Maluf (com o deputado federal cearense Flávio Marcílio para vice-presidente) e
a do ex-ministro dos Transportes nos nos governos Costa e Silva e Médici, o
coronel gaúcho Mário Andreazza, (com o ex-governador de Alagoas Divaldo
Suruagy para vice-presidente). Maluf derrotou Andreazza na Convenção Nacional
do PDS, mas encontrou forte oposição de líderes como Antônio Carlos Magalhães,
Hugo Napoleão, Roberto Magalhães, Marco Maciel e Jorge Bornhausen. José Sarney,
presidente do PDS, abandonou seu partido e se uniu aos dissidentes. Eles
formaram a chamada Frente Liberal.
A Aliança Democrática foi uma coligação entre
o PMDB, o principal partido de oposição ao Regime Militar, e os
dissidentes do PDS que formavam a Frente Liberal. Essa dissidência acabaria por
formar o PFL (atual União Brasil). Apesar de indireta, a oposição mobilizou a
população em dezenas de comícios em todo o país. No Colégio Eleitoral, formado
por deputados federais, senadores e delegados de cada Assembleia Legislativa
dos Estados, Tancredo recebeu os votos do seu partido, o PMDB, da Frente Liberal
do PDS, do PDT, PTB, de três dissidentes do PT (que tinha oito deputados e
expulsou esses três após a eleição). Dois deputados da oposição, um do PDT e
outro do PTB, votaram em Maluf.
Morava em Washington naqueles dias, onde
fazia mestrado na School of Advanced International Studies (SAIS), uma escola
dedicada ao estudo da política e da economia mantida pela Universidade Johns
Hopkins. Participei como jornalista dos movimentos iniciais em favor da eleição
de Tancredo. Amigos tratavam de me informar sobre o que ocorria no Brasil. Na
época, a ligação telefônica era muito cara. Um amigo especial, o saudoso Ney
Sroulevitch, cineasta, não economizou para me informar das novidades.
Tancredo Neves, depois de eleito, deu uma
volta ao mundo para se mostrar como o novo presidente do Brasil. Parou em
Washington, em fevereiro, quando o clima estava muito frio. Conversei com ele
longamente na Embaixada do Brasil. Ele disse-me que convocaria a Assembleia
Nacional Constituinte e promover a redemocratização do país. O presidente
estava cansado, agasalhado por grosso sobretudo, e me pareceu pálido. Estava
com o rosto inchado. Na época, informaram-me que ele consultou um dentista em
Washington porque estava com dores de dente. Era um sinal da doença que o matou
meses depois.
Retornei ao Brasil por causa dele. Estava com a vida mais ou menos organizada em Washington. Ao final daquela conversa, ele me disse para retornar ao Brasil, que era o meu lugar. Luís Artur Toríbio, repórter que estava acompanhando a viagem de Tancredo, e eu tomamos um vinho francês naquela noite muito fria em Washington. Contei as novidades. E comecei a arrumar minha mala para voltar. Antes, fiz palestra sobre a Nova República em Harvard, no Center of Latin American and Iberian Studies (CLAIS). Casa cheia. Retornei. Mas Tancredo morreu no dia 21 de abril.
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