sábado, 4 de outubro de 2008

A desmoralização do voto


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Ufa! Terminou o calvário do patusco vexame do milionário horário eleitoral gratuito do primeiro turno, em rede nacional de rádio e emissoras de TV. O distinto público mandou o seu recado à violência que impõe a opção entre desligar o botão ou submeter-se ao suplício, com os baixos níveis de audiência que registram no Rio uma queda de 17% de aparelhos ligados nas transmissões da tarde e de 12% nas noturnas.

Mais do que a relativa modéstia dos tombos, a grande lição que entra pelos olhos, ferve na indignação e adverte para o ridículo a que se expõe a maltratada democracia é endereçada ao Congresso – dos presidentes do Senado e da Câmara, aos líderes de partidos e aos 81 senadores e 513 deputados.

Se o conceito do Legislativo anda aos trambolhões, creio que este é o momento exato para o apelo ao instinto de sobrevivência dos profissionais e dos aventureiros que desfrutam os privilégios de um dos melhores empregos do mundo, em que se cruza o mínimo de tarefas na semana de três dias úteis.

E é tudo isto e muito mais que está em jogo na escalada de desmoralização do mais democrático dos poderes. Se Suas Excelências querem proteger o bolso e as regalias não é pedir muito que, concluído o segundo turno com a proclamação dos eleitos para as prefeituras e a renovação das câmaras municipais dos 5.562 municípios do país, de volta à mansa rotina parlamentar iniciem a avaliação dos acertos e erros da rodada nacional de votos pela reforma do programa de propaganda eleitoral, privilégio que custa milhões e que não se sugere extinguir, mas corrigir as suas aberrações.

Já temos uma razoável experiência de muitas campanhas, com os seus altos e baixos. Com a óbvia constatação de que é o debate a atração capaz de bater recordes de audiência nos seus grandes momentos. A memória exuma velhas lembranças. E pára no debate entre Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva, patrocinado pela Rede Bandeirantes com exemplar competência nos seus estúdios, em São Paulo, que bateu recordes nacionais de audiência. Indicado pela Rede Manchete, participei do grupo de jornalistas que fez duas perguntas cada um aos candidatos. E nunca encontrei a explicação satisfatória para o fraco desempenho de Lula, passando a impressão de intimidado diante do desembaraço de Collor, o cometa que se espatifou aos seis meses de mandato.

O torneiro mecânico colecionaria mais duas derrotas na eleição e reeleição de Fernando Henrique. E a sua obstinação o levou à desforra em dose dupla, com recorde de aprovação popular no segundo mandato.

Tento destacar o contraste entre extremos opostos. Da eleição presidencial decidida no debate que paralisou o país ao vexame da falsa propaganda eleitoral gratuita do primeiro turno mais chocho da crônica política do Rio e certamente em todo o país, com pontuais exceções.


Quem nada viu não pode fazer idéia do que foi o ridículo do desfile circense de candidatos ao prêmio de uma cadeira na Câmara Municipal na antiga capital do país, a ex-Cidade Maravilhosa na degringolada da decadência que começa com a mudança da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960, e despenca com a violência dominando as favelas com o tráfego de drogas, o trânsito engarrafado, ruas, praças depredadas e a sensação de milhões acuados no beco sem saída do declínio.

Minha longa militância de seis décadas no jornalismo político não me acode no esforço para entender como e onde os partidos conseguiram recrutar os milhares de candidatos à vereança – com raras, raríssimas exceções – para o desfile ridículo de circo mambembe, com roupas exóticas, enfeites caricatos e desempenho de dar engulhos. Muitos, a maioria, incapazes de decorar uma frase de uma dúzia de palavras.

Na caminhada para 2010 que junta em grande pacote a eleição para presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais, viria a calhar uma tentativa de exumar a reforma política com a iniciativa das lideranças qualificadas do Congresso.

Do governo não há o que esperar. O presidente Lula cuida em médio prazo da eleição da sua candidata, a ministra Dilma Rousseff, das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e demais obras que inflam a sua popularidade.

O Congresso deve cuidar de si. Já perdeu muito tempo, cometeu todos os erros imagináveis, chafurdou nos escândalos do caixa 2, do mensalão e outros com o tempero da impunidade.

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