terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Para analistas, um alerta para Lula

DEU EM O GLOBO

Especialistas destacam fato de a presidente Bachelet não eleger sucessor

Maria Lima e Cristina Azevedo*

BRASÍLIA e SANTIAGO. A avaliação geral de cientistas políticos, sociólogos e historiadores brasileiros é que há motivos para a cúpula da campanha petista à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficar preocupada com o desfecho da eleição presidencial no Chile. Com quase 80% de popularidade, a presidente Michelle Bachelet não conseguiu eleger seu candidato, Eduardo Frei, que perdeu para o conservador Sebastián Piñera.

Analistas políticos do Chile têm a mesma opinião. Acreditam que o caso de Bachelet, que não conseguiu transferir seus votos para Eduardo Frei, corre o risco de se repetir no Brasil.

Mesmo com situação política diferente do Chile — o desgaste dos 20 anos da coalizão governista no poder — a avaliação é de que não há como não traçar uma comparação da eleição naquele país com o processo brasileiro.

Contrariando o discurso petista, os especialistas dizem que o carisma e a altíssima popularidade de Lula são intransferíveis.

Eles podem até ajudar a pré-candidata do PT Dilma Rousseff, mas isso não será suficiente para elegê-la, dizem.

“Carisma não tem herdeiros”, diz analista Também dizem que o caso chileno assusta o PT e Dilma, que representa a continuidade, e os eleitores optaram pela alternância de poder. A cientista política Maria Celina D’Araújo, da PUC/Rio, observa outro agravante para Bachelet não fazer o sucessor.

Segundo ela, Frei não tem carisma, assim como Dilma, e a campanha era mal articulada: — O carisma é intransferível, não tem herdeiros. No caso do Chile, o candidato não ajudava, significava mais do mesmo, e a renovação veio com um candidato mais novo. É um caso para a candidata Dilma e o PT avaliarem com cuidado.

O cientista político Ricardo Caldas, professor da UnB, diz achar positivo o caso chileno: — A alternância de poder fortalece o poder político. É importante que os partidos sintam que não é um sistema contra eles. Tivemos isso quando Lula chegou ao poder com discurso revolucionário, que não existe mais nesta eleição. Carisma é intransferível.

Lula é um grande eleitor, mas daí a convencer mais da metade do eleitorado a votar com ele é outra coisa.

O presidente do PT, Ricardo Berzoini, no twitter, postou mensagens para justificar a derrota de Frei e possíveis comparações com o caso brasileiro: “O governo de Bachelet tem boa avaliação, mas o eleitor não identificou em Eduardo Frei a mesma perspectiva. Ele já foi presidente.

A divisão da base da Concertación e as limitações da estrutura institucional chilena contribuíram para um certo cansaço do eleitor chileno.” O sociólogo Luiz Verneck Vianna, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), diz ser óbvio que a transferência de votos não é trivial. Para ele, no Chile, a velha direita foi preservada e deu demonstração de força: — O resultado no Chile nos adverte para que nós não fabriquemos situações que tornem possível a volta ao passado. É um alerta geral para a democracia brasileira. O Chile nos serve como uma advertência, de que não é um caminho sem possibilidades de retrocesso.

Lula e Bachelet atuariam mais como chefes de Estado Segundo Tomás Mosciatti, diretor da Rádio Bío-Bío e comentarista da CNN Chile, os eleitores votam cada vez mais em pessoas do que nos partidos.

— Lula, como Bachelet, é muito mais do que o Partido dos Trabalhadores. Acho difícil que transfira a popularidade.

Ricardo Israel, professor da Universidade Autônoma do Chile, acha que a situação pode se repetir e destaca as semelhanças entre Lula e Bachelet: têm uma história de esforço e superação de dificuldades; não eram representantes do establishment (uma mulher e um operário); contam com apoio popular maior do que o próprio partido; e atuam mais como chefes de Estado do que de governo.

*Enviada especial

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