A presidente Dilma Rousseff arregimentou uma legião de especialistas em direito – professores, advogados e juristas – para rebater os argumentos do pedido de impeachment contra a petista. Em encontro no Palácio do Planalto, esse exército de 30 estudiosos, perfilado diante da presidente, apresentou as armas com as quais o governo pretende desmoralizar a petição apresentada pelos advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal. “Ela precisou de 30 juristas para responder à nossa petição”, observou Reale Júnior, que considerou essa inusitada mobilização um “elogio”.
De fato, chama a atenção o esforço de Dilma para dar a impressão de que existe um consenso entre os juristas de todo o País segundo o qual o pedido de impeachment, pelos motivos alegados, é um absurdo e que seus peticionários são apenas operadores a serviço de golpistas. Nada mais falso.
Ficou claro, no evento convocado por Dilma, que as afinidades partidárias e ideológicas com o governo e com o PT são capazes de turvar o entendimento mesmo de pessoas cujo currículo sugere alguma expertise. Por essa razão, a defesa de Dilma pretendeu se transformar, nos pronunciamentos desses jurisperitos, numa defesa da democracia – como se uma eventual condenação da presidente fosse, em si, um atentado às instituições, sem previsão constitucional. E não é.
É esse, precisamente, o argumento dos petistas – que costumam atribuir intenções golpistas e antidemocráticas a todos aqueles que denunciam o autoritarismo do partido e os crimes de seus correligionários. Foi assim que os condenados do mensalão foram transformados em “guerreiros do povo brasileiro” e “presos políticos”. E é assim que Dilma, cuja irresponsabilidade fiscal violenta a Constituição, é tratada como vítima de adversários que não aceitaram a derrota nas urnas.
Foi isso o que disse, por exemplo, o professor de direito Francisco Queiroz Cavalcanti, da Universidade Federal de Pernambuco, para quem “tudo o que está se fazendo é um terceiro turno eleitoral”. Segundo ele, as “pedaladas fiscais” dadas pelo governo, ao atrasar o repasse de recursos para os bancos públicos que tinham de fazer o pagamento de benefícios sociais, foram necessárias diante da crise. “Seria melhor atrasar um pouco pagamentos à Caixa Econômica do que deixar tantas e tantas pessoas sem recursos. Os bancos oficiais têm que manter os programas nos momentos de dificuldade”, argumentou Cavalcanti. Não por coincidência, trata-se da mesma linha sustentada pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, para quem a intenção é “criminalizar e condenar o governo pelos seus acertos”. Segundo essa lógica, portanto, o País deveria aplaudir Dilma por descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, e não puni-la. O que estraga o argumento, no fim das contas, é que as pedaladas não sustentaram programas sociais.
Outro argumento criativo foi apresentado pelo jurista Heleno Torres, para quem só será possível dizer se Dilma cometeu ou não um crime passível de impeachment quando suas contas forem julgadas pelo Congresso. Assim, por esse raciocínio, deve-se ignorar a contundente conclusão dos técnicos do Tribunal de Contas da União, para os quais Dilma não apenas foi irresponsável na administração das contas federais, como também fez uso das “pedaladas” e de outros truques fiscais para ter vantagem nas eleições de 2014. Se o Congresso decidir aprovar as contas de Dilma mesmo diante desse descalabro, será uma decisão política, e não jurídica.
Mas afinal não foi de questões jurídicas que se tratou a pajelança de Dilma com seus jurisconsultos no Planalto. A intenção é apenas criar confusão. “Se o impeachment for aprovado, o País terá uma ferida que naturalizará o vale-tudo na política institucional”, discursou a presidente – a mesma que ganhou a última eleição à base de mentiras escabrosas, que tomou decisões administrativas temerárias e cujo partido aparelhou o Estado e protagoniza inédito escândalo de corrupção. O que o País está tentando fazer, pela via institucional e em total consonância com a Constituição, é justamente dar um fim nesse vale-tudo.
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