• "O caminho que assegura a vontade das ruas de passar o Brasil a limpo é o de novas eleições"
• "Temo que [com o impeachment] se crie uma aura de que as coisas foram resolvidas"
Por Daniela Chiaretti e Cristiane Agostine – Valor Econômico
SÃO PAULO - Líder nas pesquisas de intenção de voto para a sucessão presidencial, a ex-senadora Marina Silva (Rede) afirma que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se o "combustível da crise", ao ser nomeado para o comando da Casa Civil. Ex-ministra do governo Lula, Marina diz que o ex-presidente se tornará uma espécie de "primeiro ministro", ao retornar ao Planalto e analisa que isso não deve atenuar os problemas enfrentados pela presidente Dilma Rousseff.
Em entrevista ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, a ex-senadora diz que o impeachment de Dilma é "uma realidade que está posta", mas apresenta ressalvas e diz preferir novas eleições. Para Marina, o risco de o vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), assumir a Presidência, em parceria com o PSDB, é o de arrefecer as investigações sobre os esquemas de corrupção do governo. "Temo que [com o impeachment] se crie uma aura de que as coisas foram resolvidas", diz. Ela acredita que há mais evidências do uso do dinheiro da corrupção para a chapa Dilma-Temer e defende o caminho da apuração pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Marina desconversa sobre a pesquisa Datafolha divulgada no domingo, na qual aparece em primeiro lugar das intenções de voto, entre 21% e 24%. No entanto, afirma que, no caso de ser eleita, não tentará um novo mandato, mesmo se ficar apenas dois anos.
A ex-senadora critica a atitude da presidente Dilma na eleição de 2014 por ter dito que Marina, se eleita, não teria condições de governabilidade, seria deposta e o desemprego aumentaria, assim como os juros e a inflação. Para a ex-petista, a população foi induzida ao erro na campanha presidencial passada ao votar em uma "fraude eleitoral". Marina sinaliza que não apoiaria mais o presidente nacional do PSDB, Aécio Neves (MG), e diz que a aliança no segundo turno em 2014 foi "circunstancial". O tucano é investigado na Lava-Jato e foi acusado pelo senador Delcídio do Amaral (MS). "Política não é repetição", diz. A seguir, os principais pontos da entrevista:
Valor: A senhora apoia o impeachment da presidente Dilma?
Marina Silva: O impeachment é uma realidade que está posta e cada vez mais, ainda que o processo que está em tramitação tenha excluído todos os aspectos ligados à corrupção por parte do presidente [da Câmara, Eduardo] Cunha, que é implicado nas denúncias da Lava-Jato. Cunha acolheu apenas as pedaladas. O impeachment não é só um processo jurídico, mas também político e cada vez mais há indícios de que houve uso de dinheiro da corrupção para a eleição da chapa Dilma-Temer. Em uma democracia, em situação difícil como essa, tem a renúncia, o impeachment ou a cassação da chapa.
Valor: Como avalia as opções?
Marina: A renúncia tem a legalidade mas, no meu entendimento, não tem a razoabilidade, porque parece que a presidente não está sendo minimamente razoável com a gravidade da crise. É uma decisão de foro íntimo. O impeachment não é golpe, está na Constituição. Ele se fortaleceu e está fortalecido, mas cumpre com a formalidade, não com a finalidade. Porque no final da linha você vai ficar com a outra metade da origem dos problemas que hoje afetam o país.
Valor: Quais problemas?
Marina: Com as crises econômica, política e da corrupção. A partilha das diretorias [da Petrobras] não eram feitas pelo PT e PMDB? As denúncias não são de que havia uma coordenação entre os dois partidos em relação aos recursos que foram desviados? Há um ponto comum entre aqueles que querem estabilizar a crise pelo lado do PT, puxando de volta o PMDB, e o lado que quer estabilizar a crise pelo PSDB, puxando para si o PMDB, em que eles se cruzam e convergem na mesma proporção, que é arrefecer as investigações. Os governos do PT e do PSDB, durante esses 12 anos, foram ombro a ombro como irmãos siameses, responsáveis por tudo o que está aparecendo na Lava-Jato e pela crise. Quanto mais se evidenciam os indícios do uso do dinheiro da corrupção para a chapa Dilma-Temer, mais se torna um imperativo ético a saída via TSE. O TSE é o caminho de uma possibilidade de repactuar os rumos da nação, de devolver aos 200 milhões de brasileiros a possibilidade de corrigir o erro a que foi induzido a cometer, se ficar provado o uso do recurso público.
Valor: A senhor considera que foi um erro o voto em Dilma?
Marina: Se comprovado que o dinheiro da Lava-Jato foi usado para as eleições, a população terá oportunidade de corrigir o erro a que foi induzida, que é o de votar em uma fraude eleitoral.
Valor: Hoje existem mais razões para o impeachment?
Marina: O agravamento da crise, as revelações que o tempo todo vêm sendo feitas pelas investigações, deram muita força para o impeachment. A Lava-Jato está fazendo o julgamento jurídico e criminal dos que foram implicados comprovadamente. Mas uma nova eleição possibilitará que a sociedade faça o julgamento político das suas lideranças políticas. A sociedade está dizendo que o que está ai não a representa. Neste momento corre-se o risco de haver uma grande convergência. O senador José Serra diz que haverá um grande pacto e não haverá caça às bruxas. Temo que o ponto onde o polo governista e a oposição se encontrem seja exatamente no cruzamento do arrefecimento da Lava-Jato. E é isso que a sociedade não quer.
Valor: A senhora diz temer um arrefecimento das investigações...
Marina: Que se crie a aura de que as coisas já foram resolvidas.
Valor: A bancada da Rede está dividida em relação ao impeachment no Congresso. Qual será a orientação do partido?
Marina: Desde o início, quando Cunha acolheu as denúncias de impeachment, rejeitando as denúncias da Lava-Jato e aceitando apenas as pedaladas, decidimos que iríamos formar a nossa posição, de que não fazíamos parte dos que eram a priori contra ou a favor. A minha posição tem sido de dizer que não se deve a priori culpar nem inocentar ninguém. Minha preocupação maior não é em ter algo para fazer em 30 dias, mas como vamos resolver. A pesquisa Datafolha mostra que só 16% da população acredita que Temer poderá fazer um bom governo. O país já está dividido, completamente cindido. Imagina no dia seguinte do impeachment, o PT na oposição, uma nova conformação, as pessoas se colocando para fazer o grande apelo da união nacional. Mas em torno do quê? Qual foi o compromisso assumido até agora em relação a manter o trabalho da Lava-Jato? Qual foi o compromisso assumido em relação ao ajuste Brasil, que não é só o fiscal? Isso é o compromisso que deve ser assumido primeiro pela sociedade. As questões mais importantes poderão dar um fôlego para a transição, com uma agenda de vários segmentos da sociedade e todos os partidos se comprometendo com essa agenda. Quem ganhar terá que estar comprometido com essa agenda e quem perder terá que ajudar essa agenda. Isso seria pegar de fato esses dois anos para fazer a transição com o respaldo da população. Não adianta você trocar seis por meia dúzia, o PT e o PMDB produziram essa crise.
Valor: Como é que a senhora vê as manifestações de rua?
Marina: As ruas estão tendo uma sabedoria muito grande. Não estão se deixando instrumentalizar pelos partidos ou pelas lideranças políticas. Estão indo às ruas para dar termo de referência. Queremos apoiar a Lava-Jato, um governo que não tenha corrupção, em que as instituições funcionem, que cuide da saúde, educação, que recupere a economia. É isso que a população está dizendo. E tem que ter muito cuidado porque nem os que vão de verde e amarelo são a materialização da Justiça e nem os que estão indo de vermelho são a materialização da democracia.
Valor: Com qual cenário trabalha para este ano? É viável o julgamento do TSE?
Marina: Com o cenário que de fato a gente tenha uma saída que seja à altura da crise e não um paliativo. Ou ganhar fôlego de dois ou três meses e voltar tudo para uma situação de mais crise. O TSE tem o seu rito, mas também tem o seu sentido de urgência. Estamos em um momento em que é preciso sair da escalada do acirramento e ter um pouco mais de humildade.
Valor: A senhora lidera na pesquisa Datafolha, mas suas intenções de voto não aumentaram apesar da queda das dos tucanos e de Lula. Como interpreta esse sinal?
Marina: Eu não me preocupo com pesquisa, não acho que é isso. O que nos levou a essa situação que estamos vivendo é que as pessoas só ficam pensando na eleição pela eleição. A sociedade está nos dizendo algo, que o que está aí não a representa e ela quer usar sua possibilidade de escolha para pactuar uma nova representação. Não é de pessoas. É de ideias, de projetos.
Valor: A senhora vê excessos na Lava-jato?
Marina: A própria Justiça tem seus mecanismos de controle. Existe o Conselho Nacional de Justiça, do mesmo jeito que o Executivo e o Legislativo têm os seus. Estes mecanismos estão aí para que se assegure o princípio de que ninguém está acima da lei, de que nenhuma lei está acima da Constituição. O trabalho que está sendo feito pelo Ministério Público, Polícia Federal e pelo juiz Sergio Moro, desmontando este esquema de corrupção, merece o respeito e o apoio da sociedade. E quanto mais estiver em conformidade com o princípio de que ninguém está acima da lei, e que não tem nenhuma lei acima da Constituição, melhor será o resultado positivo para passarmos o Brasil a limpo.
Valor: A senhora vê algum tipo de abuso do juiz Sergio Moro na prisão coercitiva do ex-presidente Lula ou na interceptação telefônica?
Marina: Foram mais de 100 conduções coercitivas, mas essa, como é de um ex-presidente, criou toda uma polêmica. O que defendo é que não se pode desqualificar as denúncias e as investigações que estão sendo feitas a priori e nem se pode condenar ninguém a priori. Devemos ter como mapa deste caminho única e exclusivamente, a Constituição. Sem querer desqualificar as investigações, dizendo que tudo é perseguição política e nem achar que é porque está sendo investigado já é condenado. É por isso que acho que o processo no TSE nos dá a possibilidade de fazer um julgamento que não é apenas político.
Valor: Agora, este caminho tem um tempo para ser concluído e chamar novas eleições.
Marina: Sim, mas estamos em uma emergência e a Justiça também tem que ter este sentido de urgência. Tem um processo tramitando no TSE. Neste momento, imagino que todos os poderes da República e todas as instituições da República estão operando para tentar uma saída para a crise.
Valor: Como vê o ex-presidente Lula como ministro de Dilma?
Marina: Por tudo o que suscitou, por todos os poderes com que foi investido, inclusive os R$ 40 bilhões do PAC (Programa de Aceleração ao Crescimento) que estavam no Ministério do Planejamento, voltando à Casa Civil para ficar sob sua coordenação, não será apenas um ministro, mas uma espécie de primeiro-ministro. Estamos em um sistema presidencialista, e na prática, foi instituído uma espécie de sistema parlamentarista com a figura do primeiro-ministro. Um parlamentarismo sem o Parlamento. No começo eu achava que era um paliativo, mas com tudo o que aconteceu, virou um combustível para a crise.
Valor: A senhora acha que foi um erro ele assumir o Ministério?
Marina: Acho que foi uma leitura na contramão do que foram as manifestações que mobilizaram seis milhões de pessoas. De que a saída não seria mais governo, mais Lula, mais PT. É legítimo, por parte do governo buscar as saídas, mas sequer conseguiu ser um paliativo, pelo menos até agora.
Valor: Como vê a posição do senador Aécio Neves (PSDB-MG)? No segundo turno, a senhora o apoiou. Agora, o nome dele está na delação do senador Delcídio do Amaral.
Marina: As investigações têm que continuar, são elas que irão revelar quem é culpado e quem é inocente. E isso é muito importante, inclusive para quem hoje está sendo citado, seja Aécio, seja Lula, seja quem for.
Valor: A senhora apoiaria Aécio Neves novamente?
Marina: Eu o apoiei diante de uma circunstância, em que vocês viram uma eleição em que a violência da mentira política foi usada na última potência, que se eu ganhasse sofreria impeachment porque não teria apoio no Congresso, que a inflação e os juros voltariam a crescer e as pessoas perderiam o seu emprego. Tudo o que está acontecendo hoje foi projetado em mim. E naquelas circunstâncias, entendendo que era muito importante uma alternância do poder, e depois de o senador Aécio assumir o compromisso de que teria apoio para a reforma agrária, para as políticas sociais, para a questão indígena, de que manteria as conquistas sociais já alcançadas, eu manifestei o meu apoio pessoal a ele. Eu só posso dar meu voto se houver compromisso com um agenda, que foi o que eu fiz também em 2010, oferecendo tanto à Dilma quanto ao Serra. Mas agora temos outras circunstâncias completamente diferentes. A política não é repetição, a política é um momento vivo que tem que ser lido adequadamente, de acordo com a realidade como ela está acontecendo. E naquele momento, do meu ponto de vista, uma alternância de poder teria feito muito bem ao nosso país. Não foi a decisão soberana da sociedade brasileira, que eu respeito e que agora, novamente, em consonância com este respeito, eu reitero. O melhor caminho não é o do Colégio Eleitoral com o impeachment, é o das diretas, com o TSE.
Valor: A senhora sempre teve uma boa relação com o ex-presidente Fernando Henrique. Pretende se aproximar desta ala do PSDB?
Marina: Porque as pessoas acham que ter relação de respeito é sempre com alguma finalidade de aderir ou ser aderida? Eu advogo desde 2010 que é preciso um novo realinhamento político, uma cultura que conquistas não devem ser partidarizadas ou fulanizadas, mas institucionalizadas. Isso nos levou ao retrocesso em que estamos hoje. Hoje estamos perdendo o Plano Real e a inclusão social. E estamos tensionando a nossa jovem democracia
Valor: Teme confrontos piores?
Marina: Torço, espero e trabalho para que não. As manifestações pacíficas do dia 13 e dia 18 de março, são uma comprovação de que as pessoas querem busca de solução, mas não tem nada a ver com violência. Já estamos em crise econômica, em crise política, em crise social com milhões de pessoas desempregadas, tudo o que não precisamos é de uma crise institucional. Já que é com base no funcionamento das instituições o acolhimento do legítimo direito de participar dos rumos do país. E isso ela consegue na hora em que vai para uma eleição. Se tiver comprovação de que o dinheiro da corrupção foi usado na chapa Dilma-Temer, impõe-se como um imperativo ético a necessidade de uma reeleição. Aí sim pode haver uma repactuação, uma transição nesses dois anos. Neste momento, não se pode aprofundar o fosso entre a sociedade e as lideranças políticas. É uma questão de apresentar proposta, apresentar projeto.
Valor: Teria dinheiro para fazer estas eleições?
Marina: Uma eleição não deve se submeter a se tem ou não dinheiro, mas se tem ou não propostas. Se tem eleitor, sociedade, projeto. Acho que há uma possibilidade, já existe uma estrutura articulada para as eleições municipais. É possível fazer uma eleição para essa transição. Mas, mais importante que uma eleição, é um movimento que crie uma agenda comum, trazida por empresários, trabalhadores, cidadãos, intelectuais, para que, se tiver uma nova eleição, todos os partidos se comprometam com ela. Vamos assumir um compromisso, todos, com um Brasil sustentável do ponto de vista social, econômico, ambiental e ético. Em 2018, aí a sociedade decide quem vai dar continuidade. Na democracia é assim. Se existe um projeto de país que é tão maravilhoso, mas se só funciona comigo, alguma coisa está errada.
Valor: A senhora já disse que não apoiaria a reeleição. Isso se mantém em um governo curto, de dois anos? E no caso de o governo cair, como entende esse futuro próximo governo negociado pelo PSDB e PMDB?
Marina: O pior dos caminhos é a gente ficar na fila, de ser escolhido com base em intenção de voto, antes de devolver para as pessoas a possibilidade de votar. Este é o momento de devolver aos brasileiros a possibilidade de repactuar as coisas. Eu estava defendendo o processo pelo TSE antes de qualquer coisa, porque acho que este é o melhor caminho para o Brasil. E obviamente, a minha posição de não reeleição é mantida em qualquer circunstância. Isso é um princípio.
Valor: A senhora fala pela via do TSE, se se comprovar uso ilegal de dinheiro na campanha Dilma-Temer, haveria uma nova eleição. Mas a sua campanha também é investigada por suposto caixa 2 na compra do avião de Eduardo Campos. Isso não contamina sua candidatura?
Marina: Não estou discutindo a minha candidatura e como qualquer outra pessoa, não estou acima da lei. A campanha do Eduardo Campos era a campanha dele, com a prestação de contas dele, como está no TSE. A minha campanha foi outra, depois que Eduardo Campos morreu. E não tem dinheiro de caixa 2. Mas se alguém quiser investigar, eu não estou acima da lei.
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