O que o recuo na propaganda do kit covid e contágio de Trump têm em comum?
A semana que passou teve dois duros golpes para aqueles que, no Brasil, usaram a pandemia de covid-19 para virarem mercadores de ideologia barata e sabotarem a resposta adequada nas áreas sanitária, médica, social e econômica. Não, ainda não se trata de responsabilização judicial, mas acredito que chegaremos lá.
As
duas notícias não têm uma ligação direta, mas partem da mesma premissa: quando
a Ciência grita, o negacionismo perde. A primeira é local. O Ministério da
Saúde, embalado na confiança vinda da efetivação do diligente (para Bolsonaro,
não para a Saúde) general Eduardo Pazuello no posto e da alta popularidade do
presidente, preparou mais um desserviço à saúde pública, que deveria ter
acontecido neste sábado.
Era
um tal Dia D de defesa dos cuidados precoces com a covid-19, que nada mais
seria que uma propaganda, pelos canais oficiais, do tal kit covid, composto por
medicamentos sem eficácia comprovada, com efeitos adversos, que o restante do
mundo já baniu e que aqui, sem ação nenhuma da Justiça diante de centenas de
ações por crime de responsabilidade das autoridades federais, seguem sendo
administrados a partir de um protocolo oficial.
A
comunidade científica saiu do terreno das notas de repúdio e se organizou.
Graças ao trabalho rápido do Instituto Questão de Ciência, comandado pela
microbiologista Natália Pasternak, saiu do papel o Dia C de Ciência, reunindo
cientistas e jornalistas na divulgação de dados e evidências sobre a covid-19,
da prevenção ao tratamento, passando por vacina.
Nada
menos que sete ex-ministros da Saúde, incluindo o bolsonarista Nelson Teich,
participaram de um ciclo de mesas virtuais neste sábado cujo objetivo era
desmascarar o obscurantismo do Ministério da Saúde.
A
resposta foi tão efetiva, imediata e eloquente que a pasta de Pazuello recuou.
O IQC acabou prestando um favor não só ao País, mas inclusive ao governo.
Isso
porque, e aqui entramos no outro fato a que me referi no início deste texto,
Donald Trump foi internado na sexta-feira com covid-19, e o rastreamento avança
para mostrar um séquito de aliados, parentes e auxiliares do republicano também
contaminados.
A
internação de Trump veio num período bem especial: quando ele tinha acabado de
criticar seu adversário, Joe Biden, no tenebroso debate de terçafeira, por usar
máscara toda hora, e logo depois de ele promover um evento de campanha em que
ninguém usava o equipamento de segurança e muitos caíram doentes.
Uma
vez hospitalizado, vejam só, o “amigão” de Bolsonaro não está se tratando com
cloroquina nem hidroxicloroquina, que desistiu de vender para os americanos e
empurrou para os brasileiros.
Conclusão:
quando a Ciência grita, seja na forma de eventos como o Dia C, seja na
comprovação, na pele, de que desfilar sem máscara por ideologia burra é pedir
para baixar o hospital, o negacionismo cai por terra.
Esta
lição poderosa precisa e pode ser projetada para além do enfrentamento da
pandemia e chegar às discussões sobre a tal frente ampla para combater o
retrocesso bolsonarista.
O
caminho é tirar o comando da mão de partidos e políticos e passálo a
cientistas, acadêmicos e representantes da sociedade civil. Com ações práticas
como a do IQC, dados e evidências, e coordenação com iniciativas judiciais
contra os que causam prejuízos para o País.
Vale para a reação à hecatombe ambiental da dupla Bolsonaro-Ricardo Salles, para o aparelhamento do Estado e da Polícia Federal e o desvio de recursos públicos para igrejas evangélicas para fortalecer o projeto reeleitoral do presidente. Menos nota de repúdio e vetos a nomes inimigos e mais ação. Este é o caminho.
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