O Globo
Bolsonarismo ataca democracia de todas as
formas
O risco democrático que o bolsonarismo
representa não se restringe aos ataques do presidente da República a
autoridades eleitorais — em particular, ao ministro Alexandre de Moraes, presidente
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
— nem às insinuações recorrentes contra a segurança e a credibilidade das urnas
eletrônicas. Há muito mais. A Constituição de 1988 e o Estado Democrático de
Direito também saem feridos quando a percepção supremacista dos extremistas de
direita avança sobre mulheres, negros, indígenas, homossexuais, pessoas trans e
sobre os direitos à educação, à saúde, a manifestações, e, agora, à liberdade
religiosa. É um grupo político antidemocrático de cabo a rabo, de A a Z.
Mesmo após a divulgação do resultado do primeiro turno, realizado em todo o país sem intercorrência na votação ou na apuração, nem Jair Bolsonaro nem as Forças Armadas atestaram publicamente a integridade do pleito. Até hoje, os militares não divulgaram o relatório de fiscalização, por óbvio, positivo. Nos subterrâneos digitais do candidato à reeleição, circulam mensagens que põem em dúvida a totalização dos votos, pretexto para, à moda Donald Trump, contestar a possível derrota no segundo turno. Sem falar na força-tarefa de desqualificação das pesquisas eleitorais.
É ataque à democracia a ameaça de
interferência no Judiciário via aprovação de lei para aumentar de 11 para 15 o
total de ministros, o que permitiria ao autocrata em construção a indicação de
seis ministros para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Na hipótese de aprovação da lei, viriam quatro novos nomes, além dos
substitutos de Rosa Weber e Ricardo
Lewandowski, que alcançarão a idade-limite, 75 anos, em 2023.
A democracia sai ferida quando instituições
de Estado são aparelhadas ou desidratadas em favor de interesse pessoal ou
político-partidário do mandatário e aliados. Sobram denúncias de interferência
do governo Bolsonaro na PF, na PGR, na Petrobras, no Ibama, nos ministérios da
Educação e da Saúde, no Inep, entre outros órgãos públicos.
Também violenta-se a democracia quando a
liberdade religiosa é ameaçada. Durante a campanha eleitoral, a mulher do
presidente, Michelle Bolsonaro,
assumiu protagonismo político ao tratar o presidente como um escolhido de Deus,
ao demonizar o principal adversário do marido, o ex-presidente Lula, e ao
compartilhar conteúdo de perseguição às religiões de matriz africana. Aliados
de Jair Bolsonaro, além do próprio presidente, chegaram a dizer que não é
cristão quem vota na esquerda ou deixa de votar no candidato do PL.
O presidente tentou se apropriar do Círio
de Nazaré, numa tentativa de avançar entre eleitores católicos. E patrocinou
uma inédita e malvista ocupação da Basílica de Nossa Senhora Aparecida no
feriado dedicado à padroeira do Brasil. Obrigou o padre Camilo Júnior a se
pronunciar em plena cerimônia de consagração solene:
— Hoje não é dia de pedir voto, é dia de
pedir bênção.
Baderna em templos, mulheres e homens
constrangidos na fé em nome da política são evidentes violações à liberdade de
credo num Estado laico.
A democracia está em risco se agentes do
Estado atuam para cercear direitos sexuais e reprodutivos de meninas e
mulheres. Bolsonaristas fizeram isso quando agiram para impedir o acesso de
meninas estupradas ao aborto legal no Espírito Santo, em Santa Catarina, no
Piauí.
Afronta o direito fundamental à igualdade o
candidato a governador que profere insinuação homofóbica contra o adversário.
Foi o que fez o ex-ministro Onyx
Lorenzoni, bolsonarista, na propaganda eleitoral no Rio Grande do
Sul em relação ao tucano Eduardo Leite:
— Os gaúchos e as gaúchas entenderam que
vão ter, se for da vontade de Deus e do povo gaúcho, um governador e uma
primeira-dama de verdade.
Leite assumiu a homossexualidade um ano e
meio atrás numa entrevista a Pedro Bial.
Agride a Constituição o parlamentar que, no
plenário da Câmara dos Deputados, reverencia um torturador, como já fez Jair
Bolsonaro em 2016. Um ano antes, ele justificara a desigualdade salarial de
gênero, porque mulheres engravidam e têm direito a benefícios trabalhistas por
isso. Tanto como candidato quanto como presidente desumanizou homens negros ao
referir-se ao peso em arrobas de quilombolas e de um apoiador. Bolsonaro foi
denunciado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ao Tribunal
Penal Internacional por genocídio. Não é democracia se a população nativa é
abandonada à própria sorte ou se decisões do governante atentam contra ela. Ou
se favelas são criminalizadas, como o Complexo do Alemão, quando abrigam ato
político tão bem-vindo quanto necessário.
Tampouco há democracia se uma comemoração
de aniversário termina em assassinato, porque o tema da festa eram Lula e o PT.
Aconteceu em Foz do Iguaçu (PR), onde o petista Marcelo Arruda foi morto a
tiros pelo bolsonarista Jorge Guaranho. Parlamentares trans sofrem ataques e
ameaças, com prejuízos ao exercício do mandato, caso de Benny Briolly,
vereadora em Niterói (RJ). A violência política elegeu um governador, um
deputado federal e um estadual no Rio de Janeiro em 2018. A flexibilização do
acesso a armas de fogo e munição, como viabilizadas pelo presidente em 42 atos
executivos, ameaça os brasileiros. A ponto de o TSE ter proibido circulação de
armamento por caçadores, atiradores e colecionadores da véspera ao dia seguinte
às eleições.
Há inúmeras formas de golpear a democracia.
O bolsonarismo recorre a todas.
Um comentário:
Os homossexuais são os mais perseguidos.
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