quarta-feira, 22 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Prende e solta é incentivo aos criminosos

O Globo

Acusado de assassinar turista em Copacabana havia sido libertado da prisão horas antes do crime

O assassinato do sul-mato-grossense Gabriel Mongenot Milhomem Santos, de 25 anos, durante assalto na Praia de Copacabana na madrugada de domingo embute várias tragédias numa só. Estudante de engenharia aeroespacial, Gabriel era um dos milhares de fãs que vieram ao Rio assistir ao show da cantora Taylor Swift. Foi executado com uma facada no peito quando estava com quatro amigos na praia mais famosa do Brasil, onde imaginava estar em segurança.

Tragicamente, não há acaso no crime. Os suspeitos são velhos conhecidos da polícia. Jonathan Batista Barbosa, de 37 anos, soma sete anotações criminais. Outro acusado, Anderson Henriques Brandão, de 43 anos, cinco. Roubos e furtos eram parte de suas rotinas. Às vésperas do assassinato, Jonathan havia sido preso com outro suspeito, sob acusação de furtar 80 barras de chocolate de uma loja em Copacabana. Mais um crime numa extensa folha corrida em que já constavam um duplo homicídio, tráfico de drogas, violência doméstica, flagrantes por roubo, furto e posse ilegal de arma de fogo.

No sábado, a Justiça havia lhe concedido liberdade, determinando que não se aproximasse da loja onde praticara o furto. Em vão. Depois do assassinato, foi preso a 250 metros dela. Na audiência de custódia no sábado, quando ganhou liberdade provisória, a Justiça determinou que comparecesse em juízo todo mês. Havia também uma ordem para que não se ausentasse de casa por longo período sem autorização. Era impossível cumprir a medida: ele vive na rua. Na explicação do Tribunal de Justiça, Jonathan e o outro suspeito foram soltos porque o delito (furto dos chocolates) fora cometido sem o emprego de violência ou grave ameaça, e o produto fora recuperado e devolvido. Nenhuma menção a uma ficha policial suficiente para justificar mais rigor.

A história do assassinato de Gabriel diz muito sobre o claudicante sistema que deveria punir autores de crimes graves e afastá-los do convívio em sociedade. A periculosidade de Jonathan é considerada alta (como constava na Guia de Recolhimento de Presos). Embora suas sentenças somem mais de 13 anos, nunca foi condenado a cumprir pena em regime fechado. O outro acusado do assassinato, Anderson, coleciona anotações criminais por porte de arma de fogo, posse de drogas, uso de identidade falsa, dirigir sem habilitação e embriagado, entre outros delitos. Também nunca cumpriu pena.

Compreende-se que as polícias nem sempre reúnem provas suficientes — ou consistentes — para a Justiça condenar os acusados. As leis também oferecem brechas de que os criminosos se aproveitam. Evidentemente, é preciso agir dentro desses limites. Mas o constante prende e solta é sinal eloquente de que muitas vezes o crime compensa. Assaltantes sabem que dificilmente serão punidos. Quando muito, receberão penas brandas. A realidade tem mostrado isso. Policiais executam um trabalho de Sísifo, fazendo força para empurrar morro acima a rocha que em segundos rolará morro abaixo.

Os três Poderes precisam refletir sobre isso. A crise na segurança que fustiga o país também é resultado da leniência que envolve legislação, Justiça e forças policiais. Não era improvável que Jonathan e Anderson, uma vez em liberdade, voltassem a cometer crimes. Foi o exatamente que aconteceu. O Estado precisa dispor de meios mais eficazes contra o crime.

Linchamento virtual de jornalista não combina com governo democrático

O Globo

ANJ repudiou ataques contra profissional que revelou encontros da ‘dama do tráfico’ em Brasília

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) emitiu nesta segunda-feira uma nota oportuna e necessária repudiando as tentativas de intimidação contra o jornal O Estado de S. Paulo e sua editora de Política, a jornalista Andreza Matais. Depois de ter revelado em reportagem o encontro da mulher de um líder de facção criminosa com secretários do Ministério da Justiça e parlamentares, Andreza foi submetida a ataques virulentos nas redes sociais, promovidos por influenciadores e contas simpáticos ao governo, depois repercutidos por autoridades.

“O uso de métodos de intimidação contra veículos e jornalistas não se coaduna com valores democráticos e demonstra um flagrante desrespeito à liberdade de imprensa”, afirma a ANJ. “Também evidencia uma prática característica de regimes autocráticos de, com o apoio de dirigentes políticos, sites e influenciadores governistas, tentar desviar o foco de reportagens incômodas por meio de ataques contra quem as apura e divulga.”

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e deputados governistas como Ivan Valente, Nilto Tatto e Rubens Pereira Jr. endossaram conteúdo de uma publicação de inclinação petista acusando Andreza de ter submetido jornalistas a assédio moral durante a confecção da reportagem sobre a “dama do tráfico”. A única “prova” apresentada para embasar acusação tão grave eram reproduções de telas do site do Ministério Público do Trabalho que qualquer um pode preencher anonimamente.

Não foi a primeira vez que Andreza foi alvo de perseguição por reportagens que desagradaram ao governo. Em outubro, sua conta no portal gov.br foi invadida, e ela recebeu ameaças de que seus dados pessoais seriam revelados em represália a notícias sobre o governo federal. Os ataques começaram depois de outra reportagem, atribuindo à atuação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a liberação de recursos para a Argentina pagar dívidas com o FMI.

O uso do linchamento virtual para intimidar jornalistas combina mais com autocracias do que com um governo eleito empunhando o estandarte da democracia. Na corrida cotidiana para levar notícias ao público, mesmo os melhores jornalistas erram. Publicações sérias como o Estadão costumam retificar informações incorretas. Além disso, o Judiciário dispõe de mecanismos eficazes para partes atingidas por reportagens reivindicarem seus direitos. Nada — nem o fato de eventualmente errarem — justifica ataques coordenados a jornalistas, muito menos a mulheres, situação frequentemente contaminada pelo machismo.

Se há algo de positivo em todo esse episódio lamentável, é a certeza de que a imprensa continua a cumprir seu papel de fiscalizar os poderosos. Como afirmou Eurípedes Alcântara, diretor de jornalismo do Grupo Estado: “A reação furiosa orquestrada nas redes sociais contra jornalistas doEstadãoem nada diminui a qualidade da apuração da reportagem sobre as intimidades da dama do tráfico com altos funcionários públicos. Ela mostra apenas a incapacidade de certos setores de conviver com o jornalismo independente”.

Recuperação judicial pode superar marca da pandemia

Valor Econômico

Vencem neste ano muitas linhas especiais liberadas pelo governo quando o país parou por causa da covid-19

Se for mantido o ritmo atual de mais de 100 pedidos de recuperação judicial por mês, este ano vai superar a marca da pandemia. De janeiro a outubro, a Serasa Experian contou 1.128 pedidos no país, mais do que os 833 registrados em todo o ano passado. No auge da pandemia, em 2020, foram contabilizadas 1.179 recuperações judiciais.

O recorde ainda pertence ao ano de 2016, na esteira da crise que culminou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, quando as recuperações judiciais somaram 1.863. Mas não deixa de ser preocupante. Um dos motivos é que geralmente há um efeito cascata: quando uma empresa pede recuperação extrajudicial, em especial se tiver grande porte, outras enfrentam problemas. Foi o que aconteceu com a crise da Americanas, que colocou em dificuldade outras varejistas e uma série de companhias que operavam no seu marketplace e provocou ondas de turbulência no mercado financeiro, reduzindo a oferta de crédito e elevando os juros para todas.

O cenário macroeconômico contribuiu para o grande número de pedidos de recuperação judicial neste ano. Um dos fatores foi a alta dos juros. O juro básico tinha caído a 2% durante a pandemia. Mas foi subindo depois e atingiu o pico de 13,75% em agosto de 2022, nível em que permaneceu por um ano. Somente em agosto de 2024 é que começou a ser reduzido. Mas ainda está em nível elevado, de 12,25%.

A taxa de juros do crédito para empresas lastreado em recursos livres, de 11,6% ao ano em dezembro de 2020, chegou a 24,9% em janeiro deste ano, influenciada pelo estouro do caso Americanas e pela expectativa com a mudança de governo. Apesar do recuo da Selic, o juro do crédito diminuiu pouco, para 22,9% em setembro, dado mais recente do Banco Central (BC).

Já a inadimplência entre as pessoas jurídicas saltou de 1,4% em dezembro de 2020 para 3,4% em setembro, o pico desse período. Desenvolveu-se até o negócio de gestoras de situações especiais, as “special sits”, focadas em comprar créditos de empresas em dificuldades, que devem irrigar o mercado com R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões neste ano (Valor, 6/11).

O número de recuperações judiciais também cresce com o vencimento neste ano de muitas linhas especiais liberadas pelo governo na pandemia. Muitas empresas que tomaram crédito em condições especiais na época não conseguem saldar os compromissos agora. Em um dos escritórios especializados nesse tipo de causa, 70% das dívidas dos clientes estão relacionadas à linha do Fundo Garantidor para Investimentos.

As empresas contavam com a recuperação da economia na saída da pandemia para pagar seus compromissos. No entanto, a expansão ocorrida não foi suficiente. Depois de crescer 5% em 2021, o PIB aumentou 2,9% em 2022 e deve repetir a dose neste ano. Já para 2024 a previsão é de expansão de 1,5%.

A desaceleração da economia e a manutenção dos juros em patamares ainda elevados são dois motivos que sustentam a previsão de que as recuperações judiciais podem piorar e ainda crescer até meados do ano que vem, antes de melhorar.

Nem todos os casos de recuperação judicial anunciados neste ano se assemelham ao da Americanas, que reconheceu fraudes bilionárias no balanço publicado há poucos dias, com atraso de 11 meses. O prejuízo líquido de 2022 foi de R$ 12,9 bilhões; e o resultado corrigido de 2021 passou de lucro de R$ 731 milhões para prejuízo líquido de R$ 6,23 bilhões. O patrimônio líquido ficou negativo em R$ 26,6 bilhões ao fim de 2022, com os ajustes extraordinários no balanço. O auditor independente BDO RCS se negou a opinar sobre as demonstrações financeiras da Americanas, o que pode atrapalhar a conclusão do plano de recuperação judicial da rede de varejo. Apenas a Samarco Mineração, envolvida na tragédia do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), em 2015, tem um passivo a descoberto maior do que a Americanas, de R$ 71,95 bilhões.

De acordo com os dados da Serasa Experian, as empresas de menor porte são as que mais buscam a recuperação judicial - 65% dos pedidos feitos de janeiro a outubro. As médias fizeram 25%; e as grandes, 10%. Há concentração em serviços e comércio (72,5%), e menor proporção de indústrias (18,6%) e setor primário (8,9%).

A revisão da Lei da Recuperação Judicial, que entrou em vigor em 2021, trouxe melhorias. Uma das mais citadas em pesquisa feita pela Deloitte - por 57% das empresas e 38% dos especialistas consultados - é a prioridade de pagamento dada a quem empresta à pessoa jurídica em recuperação judicial pelo mecanismo de “dip financing”.

Mas o processo segue muito longo, o que reduz as chances de sobrevivência empresarial. Segundo o Banco Mundial, uma recuperação judicial leva em média quatro anos no Brasil, em comparação com 2,5 anos na média mundial. De toda forma, pedir recuperação judicial nem sempre é boa saída. O Monitor RGF de Recuperação Judicial, desenvolvido pela RGF & Associados, mostrou que pouco mais da metade das empresas que saíram da recuperação no terceiro trimestre voltou a operar. Um pouco menos da metade faliu ou fechou as portas.

Petrobras em disputa

Folha de S. Paulo

Pedido de ministro por redução de preços escancara intervencionismo petista

O controle da Petrobras foi um item importante da campanha eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ainda é uma tentativa de política do presidente da República, da maioria de seus ministros e assessores relevantes na área econômica e de seu partido.

Dado que a petroleira é uma empresa mista com maioria estatal, o debate sobre o que o governo pode ou não fazer de suas diretrizes tem cabimento —em tese.

No mundo real, entretanto, o programa petista se baseia em intervenções nos preços, em diminuir ou acabar com as normas que restringem as nomeações para a direção e, no limite, definir o projeto de prioridades e investimentos de acordo com os interesses mais imediatistas do Planalto.

Lula nomeou para o comando da companhia um ex-senador do seu partido com uma carreira política dedicada a assuntos do petróleo, Jean Paul Prates. Não obteve do companheiro, porém, as medidas que julga adequadas, ao menos na velocidade desejada.

Embora de fato pareça inclinado a facilitar nomeações políticas para a diretoria, o presidente da Petrobras se rendeu a alguma racionalidade, às restrições da Lei das Estatais e às pressões de uma diretoria mais técnica.

A insatisfação governista se tornou pública de modo vexatório desde o final da semana passada, com um bate-boca entre o chefe da pasta de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), e Prates. O ministro quer mais redução de preços. De fato, quer intervir no plano de investimentos da companhia, que seria divulgado nesta semana.

Para isso conta com o apoio de Rui Costa (Casa Civil), que almeja o "abrasileiramento" dos preços da petroleira e investimentos que colaborem com o programa econômico de Lula —Costa também é apontado como o principal adversário no governo da política econômica de Fernando Haddad.

Em resposta, Prates argumentou, com base na Lei das Estatais e no estatuto da empresa, que intervenções em preços, ou outras que desviem a Petrobras do objetivo da rentabilidade, demandam contratos com o governo que estipulem também o eventual pagamento de futuras perdas.

Como resultado, foi chamado ao Palácio por Lula para uma reunião com outros ministros. Sua cabeça parece a prêmio, por não se adequar à linha justa do partido.

Depois de desastres, em especial na Petrobras sob Dilma Rousseff, aprovou-se a Lei das Estatais, com o propósito de evitar interferências políticas ineptas em empresas públicas. Lula e o PT querem derrubar essa limitação a seu poder, em nome do bolso popular e do "desenvolvimento nacional".

Não aprenderam nada, esqueceram tudo e querem reinventar a roda do fracasso.

Privilégio adquirido

Folha de S. Paulo

Pensões para ex-governadores, examinadas pelo STF, são iniquidade escandalosa

Além de dispendioso e deficitário, o sistema previdenciário brasileiro é repleto de injustiças que agravam nossa vergonhosa desigualdade de renda. Reformas recentes, sobretudo a aprovada em 2019, buscaram a duras penas uma correção das regras, mas velhas distorções ainda teimam em vir à tona.

Um exemplo quase caricato, não fosse escandaloso, é o das generosas pensões vitalícias concedidas a ex-governadores e seus dependentes —pagas com dinheiro da sociedade, com base em legislações estaduais, sem nenhuma sustentação financeira ou sentido social.

Segundo levantamento da Folha, ao menos 15 estados concedem a ex-dirigentes tal prebenda, que pode chegar a R$ 37,6 mil mensais. Já um trabalhador comum costuma contribuir para a Previdência por décadas para receber algo entre R$ 1.320, o salário mínimo, e R$ 7.507, o teto do INSS.

No final da década passada, decisões do Supremo Tribunal Federal derrubaram alguns desses privilégios inaceitáveis. Entretanto só agora a corte firmou um entendimento a esse respeito.

Concluiu-se na segunda (20) julgamento de ação impetrada em 2020 pelo então procurador-geral da República, Augusto Aras, com o objetivo de extinguir os pagamentos. Depois de idas e vindas, houve ampla maioria entre os magistrados para manter parte deles.

Pelo entendimento do ministro Gilmar Mendes, seguido por 8 de seus hoje 9 colegas, as pensões concedidas antes de decisões em contrário do STF devem ser mantidas, em nome da segurança jurídica. As demais, não.

O argumento não chega a ser disparatado, mas isso não torna menos acintosa a transferência de renda da sociedade para uma elite que aprova leis em benefício próprio, afrontando os princípios republicanos da igualdade, da moralidade e da impessoalidade.

Isoladamente, essas benesses parecem significar pouco no universo de despesas previdenciárias do país. No entanto as iniquidades do sistema têm alcance muito mais amplo, disseminadas entre corporações estatais civis e militares.

A compreensão de que as regras gerais devem ser iguais para todos avança de forma acidentada no país —e num Judiciário acostumado a regalias. Que ao menos se firme a convicção de que direitos como os que o STF examinou não podem ser novamente concedidos.

A ‘democracia’ do PT é com aspas

O Estado de S. Paulo

Ao compartilhar acusação infundada contra este jornal, o PT mostra que a prometida defesa da democracia não passava de patranha. Os petistas sempre hostilizaram a imprensa livre

Não durou muito a farsa segundo a qual Lula da Silva precisava ser eleito para, segundo suas palavras, “recuperar a democracia neste país”. Bastou que a imprensa começasse a publicar notícias desfavoráveis ao governo para que esses campeões da democracia voltassem a ser o que sempre foram – a vanguarda da truculência. Para a seita petista, vale tudo, até mentir e distorcer, para desmoralizar aqueles que ousam revelar os malfeitos do governo de Lula.

No domingo passado, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, usou suas redes sociais para atacar o Estadão, compartilhando – como se fosse digna de crédito – uma suposta denúncia anônima contra o jornal que teria sido apresentada no site do Ministério Público do Trabalho (MPT). “Gravíssima denúncia feita ao MPT sobre a fabricação do ‘escândalo da dama do tráfico’ pelo Estadão para fazer parecer que (o ministro da Justiça) Flávio Dino é simpático ao crime organizado”, escreveu a presidente do PT. Ato contínuo, todo o exército de militantes petistas na internet passou as horas e dias seguintes a repercutir a patranha, sem qualquer cuidado a respeito da veracidade do que ali se expunha.

Esse é o padrão de atuação dos petistas. Para eles, nem é preciso que a informação seja verdadeira para que seja usada em favor de seus propósitos autoritários, isto é, difamar o jornal que revelou que a mulher de uma das lideranças do Comando Vermelho (CV) participou de reuniões no Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Ora, o Estadão nunca afirmou que Flávio Dino era simpático ao crime organizado. Trouxe apenas fatos: Luciane Barbosa Farias, mulher de Clemilson dos Santos Farias, conhecido como “Tio Patinhas” e um dos líderes do CV no Amazonas, esteve no Ministério da Justiça, em março, para reunião com o sr. Elias Vaz, secretário Nacional de Assuntos Legislativos, e em maio, para reunião com o sr. Rafael Velasco Brandani, titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). Na reportagem que revelou o caso, publicada no dia 13 de novembro, o próprio Ministério confirmou a presença de Luciane na comitiva para as duas reuniões.

A atestar que o jornal fez apenas o seu trabalho – trouxe fatos relevantes ao conhecimento do leitor –, o Ministério da Justiça, no mesmo dia da publicação da reportagem, elaborou uma portaria alterando as regras de acesso ao prédio. No entanto, o PT não gosta de jornalismo independente. Diante da natural repercussão do caso, o partido de Lula passou a atacar o jornal, como se a reportagem sobre as reuniões no Ministério da Justiça fosse fake news.

Esse episódio serve para recordar que, por trás da fachada de defensores da democracia, os petistas são e sempre foram raivosos inimigos da imprensa livre. Desde os tempos da trevosa era petista no poder, jornalistas são ameaçados de agressão por militantes do partido. Há toda uma rede de veículos de comunicação a serviço do lulopetismo que se dedicam a destruir a reputação de jornalistas e de veículos independentes. O bolsonarismo certamente se inspirou nesse método do PT para, por sua vez, hostilizar a imprensa e os jornalistas. O “gabinete do ódio” bolsonarista é filhote dos “blogs sujos” – que recebiam generoso financiamento público dos governos petistas para atacar desafetos do partido.

“O uso de métodos de intimidação contra veículos e jornalistas não se coaduna com valores democráticos e demonstra um flagrante desrespeito à liberdade de imprensa”, afirmou em nota a Associação Nacional de Jornais (ANJ) sobre o vergonhoso ataque petista a este jornal. “Também evidencia uma prática característica de regimes autocráticos de, com o apoio de dirigentes políticos, sites e influenciadores governistas, tentar desviar o foco de reportagens incômodas por meio de ataques contra quem as apura e divulga”, disse a entidade.

Mas os petistas perdem tempo e energia. Desde sua fundação, há quase 150 anos, este jornal nunca vergou diante da força bruta dos inimigos da democracia, e não serão os arreganhos dos sabujos de Lula da Silva que o intimidarão. Continuaremos a publicar tudo o que nosso jornalismo apurar, a respeito deste ou de qualquer outro governo, pois a função da imprensa responsável e livre é revelar aos cidadãos o que os poderosos querem esconder. Isso sim é democracia – sem aspas.

A gramática do privilégio

O Estado de S. Paulo

Em nenhum lugar do mundo juízes têm tantos privilégios como no Brasil. Além de férias de dois meses, terão a cada três dias de trabalho um de folga, que pode se converter em dinheiro

A partir de agora, os juízes federais de 1.º e 2.º graus que acumularem funções administrativas e processuais terão, para cada três dias de trabalho, direito a um dia de folga. Ou, se eles preferirem, poderão converter esse direito em mais dinheiro no contracheque no fim do mês. O mais novo privilégio foi aprovado pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), cujo colegiado é formado por seis ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelos presidentes dos seis Tribunais Regionais Federais (TRFs).

Eis a realidade do Judiciário brasileiro. Sua alta cúpula, preocupada com a plena efetividade dos direitos no País e com a crise social e econômica de tantas famílias brasileiras, decidiu que os magistrados federais devem ter uma vida ainda mais distante da realidade dos pobres mortais. Nada de trabalhar todos os dias da semana. Se um juiz exercer juntamente com a atividade jurisdicional alguma função administrativa, a cada três dias de trabalho ele pode tirar um dia de folga.

O mais novo privilégio tem nome pomposo: instituto da licença compensatória pela cumulação de atividade jurisdicional com o exercício de função administrativa. Segundo a conselheira Marisa Ferreira dos Santos, presidente do TRF-3, o reconhecimento da licença é constitucional e imperioso. Em que mundo vivem essas pessoas para afirmarem, sem ruborizar, que o direito à folga de um dia para cada três dias de trabalho é uma necessidade, “no interesse e na salvaguarda” de uma “das mais importantes instituições da República brasileira”?

A escancarar a mentalidade de insatisfação com os privilégios já adquiridos – sempre há disposição por mais um –, a resolução do CJF determina que a nova folga não deve ultrapassar dez dias por mês. Talvez o colegiado intua que, com a resolução aprovada, algum tribunal no País seja capaz de elaborar alguma contabilidade criativa e atribuir mais de dez dias de licença por mês a seus juízes. O céu é o limite para a casta dos magistrados federais.

Escandalosamente antirrepublicana, toda essa jogada foi feita sob o argumento da “equivalência” entre magistratura e Ministério Público. No caso, em janeiro deste ano, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o órgão que deveria fiscalizar o Ministério Público, estabeleceu para seus membros o direito à licença de um dia para cada três dias de trabalho com acúmulo de funções. Agora, o CJF estendeu o privilégio aos juízes federais. Na manobra, alegou que estava apenas cumprindo a Constituição de 1988. Para eles, o artigo 129, § 4.º, segundo o qual se aplicam ao Ministério Público, no que couber, os princípios e prerrogativas da magistratura, significa equivalência de regalias.

Nas palavras da presidente do STJ e do CJF, ministra Maria Thereza de Assis Moura, “para os integrantes da magistratura, a importância do tratamento igualitário entre as carreiras (do Ministério Público e do Judiciário)é de fácil percepção, além de estruturante para o fim de se resguardar os postulados do Estado Democrático de Direito, (...) bem como para atuar na defesa das instituições e dos direitos garantidos pela Constituição”. Ninguém duvida de que os juízes facilmente percebem a importância da equivalência de privilégios. A toda a hora recorrem a ela para angariar mais uma vantagem. Difícil mesmo é a população entender a razão de tamanha diferença de tratamento entre cidadãos brasileiros. Difícil mesmo é compreender por que, para o bom funcionamento do Estado Democrático de Direito, juízes e membros do Ministério Público devem ter o dobro de férias de todo o restante dos brasileiros. Para piorar, tudo isso é feito sob anuência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Além da injustiça em si e do aumento de gastos públicos que a medida produz, é muito grave que uma evidente situação de privilégio seja vista, por quem deve aplicar o Direito no País, como algo correto e adequado. Isso significa que a bússola moral, cívica e legal da cúpula do sistema de Justiça está avariada. Consideram-se, de fato, superiores ao restante da população.

A desoneração da folha

O Estado de S. Paulo

Até que haja proposta de reforma tributária sobre a renda, manter tal política é imperativo

O presidente Lula da Silva tem até amanhã para tomar uma decisão sobre o projeto de lei que estende a desoneração da folha de pagamento dos setores que mais empregam no País até 2027. Sem o benefício, estarão ameaçados 9 milhões de empregos nas indústrias de confecção e vestuário, calçados, couro, têxtil, construção civil, infraestrutura, comunicação, tecnologia da informação, máquinas e equipamentos, call center e transportes, entre outros.

Tal política tem sido um instrumento fundamental para preservar os cada vez menos numerosos empregos formais que ainda existem no País. Por meio da medida, as empresas podem substituir a contribuição previdenciária de 20% sobre a folha de salários pelo recolhimento de alíquotas de 1% a 4,5% da receita bruta, a depender do setor.

Adotada em 2011, a proposta nasceu para ser uma ajuda temporária aos setores que não conseguiram se recuperar das consequências da crise mundial de 2008. Mas, como se sabe, este não foi o único percalço a que estes segmentos estiveram sujeitos nos últimos 12 anos, entre os quais se incluem uma longa recessão e a pandemia de covid-19.

Passado o pior momento da emergência sanitária, o País ainda precisa lidar com suas sequelas econômicas. A inflação desacelerou, mas continua acima dos objetivos definidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Para trazer a inflação de volta à meta, o remédio é a política monetária conduzida pelo Banco Central (BC). Juros altos, no entanto, são fatais para a maioria dos setores econômicos, sobretudo os que mais empregam mão de obra.

No mundo ideal, o custo para contratação de trabalhadores seria bem mais baixo. O governo, por sua vez, adotaria uma política fiscal mais austera e condizente com a realidade das contas públicas. O alinhamento das políticas fiscal e monetária reduziria a necessidade de o BC manter a Selic tão elevada e proporcionaria condições mais favoráveis para o setor privado atuar.

O Legislativo compreende esse contexto, tanto que, em 2020, derrubou o veto do então presidente Jair Bolsonaro à prorrogação da folha de pagamento, por 430 votos na Câmara e 64 no Senado. No ano seguinte, o próprio governo firmou um acordo com os parlamentares para estender a vigência da medida até 31 de dezembro de 2023.

A pouco mais de um mês do fim desse prazo, as empresas aguardam uma sinalização por parte do governo para que possam manter seus planos e orçamentos para o ano que vem. Politicamente, vetar a proposta seria comprar uma briga desnecessária com o Congresso, que derrubaria o veto sem qualquer dificuldade. Não convém testar a força da combalida articulação política.

O governo preferia que o tema fosse tratado de forma ampla em uma segunda etapa da reforma tributária, que tratará dos impostos que incidem sobre a renda – proposta cuja necessidade este jornal defende. Mas até que esse debate esteja amadurecido e pronto para ser submetido à votação, tais setores não podem ficar desassistidos, sob pena de deixar milhões de trabalhadores à mercê da informalidade e do desemprego.

Democratização do ensino e a importância da EaD

Correio Braziliense

Para muitos estudantes, a educação a distância — especialmente em municípios longínquos do Brasil — pode ser a única porta de entrada ao ensino superior, além de promover a inclusão social

Um cabo de guerra entre quem defende e quem é contra o ensino a distância tem sido travado desde o ano passado. Mais recentemente, a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres), órgão pertencente ao Ministério da Educação, abriu uma consulta pública com o objetivo de debater alterações na Portaria Normativa nº 11/2017, do MEC, que trata da oferta de cursos de graduação na modalidade de educação a distância.

No entanto, entre as propostas apresentadas pelo MEC diante da consulta pública, findada no último dia 20, está a divulgação do relatório apresentado pelo GT EaD, instituído pelo ministério para avaliar essa modalidade de ensino para cursos de graduação em odontologia, direito, enfermagem e psicologia. A análise aponta a inviabilidade da EaD nessas áreas, o que contribuiu para a decisão do ministro da Educação, Camilo Santana, de suspender a autorização de cursos a distância em diversas áreas do conhecimento, como biomedicina, terapia ocupacional, educação física e farmácia, entre outros.

Por outro lado, a Associação Nacional de Universidades Particulares (Anup) mapeou dados sobre a distribuição e o acesso a esse modo de ensino e, ao comparar as modalidades de EaD e presenciais nos 3.009 municípios brasileiros onde há disponibilidade do ensino superior, a associação identificou que, em 1.904 dessas cidades, os cidadãos dependem, exclusivamente, da oferta de cursos a distância para que tenham formação educacional em nível superior.

Além disso, dados publicados pelo Enade 2022 apontam que o modelo EaD será a primeira graduação para 80% dos estudantes. No formato presencial, essa taxa cai para 60%. Desse grupo, 76% têm renda média de 4,5 salários mínimos. Já as faixas etárias no EaD são divididas da seguinte forma: até 24 anos, 19%; entre 25 e 30 anos, 25,6%; de 31 a 40 anos, 33,7%; e acima de 41 anos, 21,6%. No presencial, 52% têm idade até 24 anos; e os maiores de 41 anos correspondem a 8,7%.

Outro apontamento importante é sobre a carga de trabalho: 67% dos estudantes matriculados no EaD trabalham 40 horas ou mais semanais, o que reforça que a modalidade de ensino a distância é uma alternativa de estudo para quem precisa conciliar diferentes atividades.

Para muitos estudantes, a educação a distância — especialmente em municípios longínquos do Brasil — pode ser a única porta de entrada ao ensino superior, além de promover a inclusão social. O mais plausível, neste momento, seria um monitoramento maior, por parte do Ministério da Educação e dos organismos competentes, no sentido de ouvir diretores, professores e a comunidade estudantil para saber quais pontos precisam ser aperfeiçoados, o que deve ser substituído ou reforçado, mesmo porque os diplomas obtidos em cursos EaD têm o mesmo valor acadêmico que o documento decorrente de aulas presenciais. O que não pode ocorrer é que instituições sérias e de qualidade comprovada paguem por aquelas que não entregam o que oferecem. 

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