O Globo
Tragédia climática no RS, até hoje a maior em
grandes metrópoles brasileiras, não ocupa os discursos
Houvesse maturidade política, as próximas
eleições municipais deveriam ser encaradas muito além da disputa entre os
maridos da Janja e
da Michelle. As urgências são maiores que a pinimba. Se interessa aos dois, sob
diferentes adjetivos, a rinha maldosamente esconde os problemas mais candentes
já encarados pelas cidades brasileiras. São questões de vida e morte, de
presente e futuro, mas a polarização forçada não se mostra compungida com o
bem-estar alheio. A temperatura indica, o ramerrão deve continuar o mesmo, sem
avanços. De quem é a culpa?
Os rios gaúchos nem bem baixaram a níveis toleráveis, ainda existem desaparecidos tragados pelas águas, mas a tragédia climática, até hoje a maior em grandes metrópoles brasileiras, não ocupa os discursos dos candidatos. Desculpe, eles não sabem o que fazem. Mais fácil é proibir livros (que não leram) nas escolas ou exibir fotos de suspeitos (pretos e pobres) mortos à queima-roupa. Como outra distração, vale também querer explorar petróleo em região de recifes de corais na Foz do Amazonas.
A pandemia escancarou a precariedade dos
centros urbanos, embora há muito fosse conhecida por seus moradores. A mudança
climática, o oportunismo político das más administrações, as oscilações
demográficas, as novas matrizes dos meios de produção, enfim, causas do
progresso e de seus malefícios (os benefícios aqui não vêm ao caso) não serão
resolvidas no gogó da polarização. Demandam raciocínio, lógica e conhecimento.
E escolhas sobre as quais a população merece ser consultada.
Além das falhas técnicas, a tragédia gaúcha
traz componentes políticos. Que estão presentes noutras cidades, principalmente
no Rio e em São Paulo. Inundações, desabamentos, soterramentos — é um cardápio
conhecido nas manchetes anuais ao longo de todas as estações do ano. As
construções (ou ocupações) em áreas de riscos naturais são um padrão tolerado
em nome da falta de habitação nos grandes centros. É um problema social causado
pela inação das administrações e seus políticos de plantão. À equação podem ser
acrescentadas as casas dependuradas nas encostas. Primeiro se invade, logo
depois um vereador obtém a legalização da área, a despeito de a nova população
correr risco de vida e ajudar a poluir as águas (porque ali não há coleta de
esgoto, como ocorre, aliás, com 44,5% dos brasileiros). Antes um problema de
moradia, agora também uma questão de saúde.
A política tirou do vocabulário a ideia de
reforma agrária. Mas a reforma urbana jamais entrou na plataforma das
administrações. Preferem-se prédios desocupados por décadas em áreas centrais a
seu uso como moradia popular, algo que é política pública em metrópoles de
países capitalistas desenvolvidos.
Os erros ou acertos urbanos jamais são
considerados pelos prefeitos e pelos despreparados vereadores. Nos três últimos
anos, São Paulo passa por um frêmito de construção de imensos prédios, a partir
da reformulação de seu Plano Diretor. Como justificativa, a necessidade de
adensamento próximo às estações de metrô. A vista grossa oportunista não coloca
no cálculo do progresso o aquecimento da cidade, algo que ocorre também pela
falta de circulação de ar e pelos edifícios altos e espelhados que rebatem o sol.
Interessante que Nova York debateu
semelhante problema cem anos atrás, quando da reformulação da Park Avenue — e
seus legisladores ofereceram soluções. (Não tratarei aqui novamente das sombras
à beira-mar de Camboriú, a meca do bolsonarismo, causadas pelos gênios de
sempre).
Entre vários outros problemas (como as
cracolândias), as plataformas dos candidatos poderiam se ater às questões
trazidas pela longevidade da população. Nem falarei das creches, porque isso já
foi resolvido por nossos estadistas. O tempo passou para aquelas crianças que
não foram atendidas na infância. Quem sabe na velhice… Pense em envelhecer em
São Paulo ou no Rio. De cara, as calçadas, onde centenas de pessoas são
tragadas diariamente por suas crateras. Depois as bicicletas dos deliveries que
disputam espaço. Por educação ideológica não se deve falar dos motoboys que
avançam as faixas em cima dos pedestres (talvez seja uma luta de classes
motorizada).
Países como Suécia ou Japão já estabelecem
políticas públicas diante do rápido envelhecimento da população. Questões como
moradia, centros de amparo, pisos seguros, rampas, entre outras, estão no
cardápio. Anos atrás, os ingleses criaram o Ministério da Solidão. Sem ser
cínico, não sei o que os candidatos a prefeito pensam sobre o tema. Me parece
algo muito delicado para perguntar na frente das crianças.
Um comentário:
Muito bom o artigo,só devemos tomar cuidado com as falsas equivalências.
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