quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Hélio Schwartsman - Carta discrimina municípios pequenos

Folha de S. Paulo

Não existe razão teórica para privar de segundo turno habitantes de cidades com menos de 200 mil eleitores

Entre os muitos déficits democráticos consagrados pela Constituição brasileira está a regra de que apenas municípios com mais de 200 mil eleitores fazem um segundo turno na eleição para prefeito, caso nenhum dos candidatos obtenha mais de 50% dos sufrágios válidos na primeira votação.

O segundo turno pode ser descrito como um mecanismo que dá materialidade à rejeição. Na prática, ele permite aos eleitores vetar o postulante mais detestado —uma providência razoável num sistema que visa a conter radicalismos e promover o entendimento.

Outra característica interessante do segundo turno é que ele favorece expressões mais autênticas do voto. Quando o pleito é em duas etapas, o eleitor pode dispensar o voto útil na primeira. Fica menor o risco de uma força que tenha a maioria (esquerda ou direita) perder a eleição porque saiu dividida, enquanto o outro lado veio com candidato único.

Eu ao menos não consigo vislumbrar nenhuma justificativa teórica para sustentar que apenas moradores de cidades grandes devem beneficiar-se do instituto do segundo turno, enquanto os habitantes de municípios menores dele ficam privados. Até onde vai minha memória, o legislador criou a regra dos 200 mil apenas para reduzir custos —um critério não exatamente republicano.

Creio que essa discriminação contra as cidades pequenas deveria ser revista. O caminho mais "intuitivo" é estender o segundo turno a todas as cidades, independentemente do tamanho, mas existem outros. Uma solução mais ousada seria adotar, para todas as eleições majoritárias, algum tipo de votação ranqueada, em que o eleitor ordena os candidatos segundo sua preferência.

Uma vantagem desse sistema é que ele permitiria obter um resultado semelhante ao de votação em dois turnos com uma única ida à urna. Há um interessante debate teórico em torno desses sistemas e seus efeitos mais sutis. A desvantagem óbvia é o custo de aprendizado.