quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Modelo de Lula não sobrevive sem ele, diz Vianna

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Maria Inês Nassif, de Caxambu (MG)

O Brasil de hoje é a obra de um único político, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e apenas uma peça de gênio consegue manter "fragmentos do moderno e do passado, da tradição republicana até setores que emergem na sociedade" no mesmo tecido social sem que ele se rompa. O problema é esse modelo sobreviver ao seu criador. "Sem Lula nada disso se aguenta", afirmou o cientista político Luiz Werneck Vianna ao Valor, na semana passada, quando participava do Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação (Anpocs), realizado em Caxambu. O ciclo de desenvolvimento sob Lula, ao contrário dos anteriores - de Getúlio Vargas (1930-1945 e 1950-1954), ou dos generais Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel (1969-1974 e 1974-1979) -, não está sob um regime autocrático, mas, de forma semelhante a esses períodos autoritários, tudo transita totalmente pelo Estado "e suas instituições (do Estado) usurpam o espaço da sociedade civil".

O potencial destrutivo de um modelo que é baseado na ideia de convivência numa "comunidade fraterna", onde todas as demandas são consideradas legítimas e o Estado arbitra os ganhos de cada classe, é bastante alto. "O Lula está ameaçando a todos com sua atuação. Vamos entrar num conflito de todos contra todos depois do seu governo", disse o cientista político. Na sua avaliação, nem a candidata do presidente à sua sucessão, Dilma Rousseff (PT), nem qualquer outro postulante à Presidência, governista ou oposicionista, tem condições de manter essa conjunção de forças. E essa não é uma construção em que basta ter a ajuda de Lula nos bastidores: é necessário o seu protagonismo.

"O modelo é de uma fragilidade espantosa. É uma peça de gênio que não permite que o autor descanse nunca", afirma. A figura invocada por Werneck Vianna é a do equilibrista que mantém os pratos sobre as varetas e tem que permanentemente girar as varetas para que os pratos não caiam. O estrago seria menor, segundo ele, se Lula assumisse outro papel, o de um "grande prestidigitador" que mantivesse um mínimo de contraditório na sociedade enquanto incorpora "políticas sociais de verdadeiro alcance". Isto é: se deixasse de nivelar interesses e conflitos de classe.

O modelo Lula de desenvolvimento é produto de aproximação progressiva com a "tradição republicana brasileira", que admite "a prevalência do Estado, do público, como uma forma do todo subsumir as partes, definindo o destino das partes" e concebendo a sociedade como uma "comunidade". Nela, todos os interesses são legítimos, "inclusive os da alta burguesia, desde que cumpram uma agenda social". O exemplo é a pressão direta exercida pelo presidente Lula sobre o presidente da Vale do Rio Doce, Roger Agnelli, com indicações de que obrigações a empresa deveria assumir.

"O Estado tem o papel protagônico", afirma Werneck Vianna. Esse protagonismo não foi um cálculo, mas o produto de "acidentes e incidentes de percurso", ao final dos quais foram legitimadas e incorporadas "tradições de um repertório antes estigmatizado", como, por exemplo, o organismo sindical corporativo. O ciclo de desenvolvimento do governo Lula está sendo conduzido, portanto, sob uma tradição renegada não apenas pelo PT, mas pelo próprio PSDB, na constituição desses partidos, reabilitada na crise e mantida sob o gênio de Lula.

"A luta política foi sendo trazida para dentro do Estado e tudo hoje é arbitrado por uma única pessoa. Só existe um político hoje no Brasil e ele se chama Luiz Inácio Lula da Silva", disse Werneck Vianna. Disso decorre que a política fica sem espaço na sociedade.

O "triunfo da ordem burguesa" sob o governo Lula não foi prosaico, diz o cientista político, mas "grão-burguês". Recuperou funções do Estado tradicional - inclusive a de mediador da luta política - e símbolos do passado, como o do Brasil-Potência, que remetem ao nacional-populismo de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek e ao nacional-desenvolvimentismo de Geisel. No caso do atual governo, "é uma nacional sem popular, abduzido pelo Estado", disse Werneck Vianna.

"Do Bradesco, passando por Paulo Skaf e Blairo Maggi, indo para as grandes agências como Finep e CNPq, e terminando na massa de despossuídos desse país, todas essas forças passam pelo Estado - e são capilarmente articuladas pela intelectualidade, via Anpocs, ONGS, sindicatos etc", disse o cientista político.

Para a esquerda, à qual ele se filia, é necessário fortalecer a esfera pública. "É preciso que os partidos políticos se autonomizem e construam uma esfera pública rica, mesmo que isso importe a desaceleração de algumas políticas", disse.

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