Tão logo o acordo para a elevação do teto da dívida dos Estados Unidos foi aprovado pelo Senado, o presidente Barack Obama marcou posição avisando que a luta continua. Derrotado pelo radicalismo do Tea Party, que levou o Partido Republicano a adotar uma posição suicida até próximo do prazo final, o presidente dos Estados Unidos tentou sair das cordas retomando a bandeira de fazer com que os muito ricos também ajudem a economia a sair do buraco: "Não podemos fazer com que os que sofrem mais paguem mais. Todos vão ter que pagar. E assim será justo."
O que Obama quis dizer é que insistirá no aumento de impostos para que o país tenha condições de tentar crescer e produzir empregos, o que será praticamente impossível se o plano aprovado não sofrer modificações.
O jornalista Paulo Sotero, diretor do Instituto Brasil do Woodrow Wilson International Center for Scholars, em Washington, resume assim a situação: "O acordo teve o mérito de evitar a calamidade do calote da dívida americana. Mas deixou todos insatisfeitos e a economia do país com pouco espaço para superar o problema fiscal pela via do crescimento."
Com o plano aprovado, e imediatamente sancionado por Obama, o governo poderá aumentar o teto da dívida em US$400 bilhões, evitando assim a moratória.
Com isso, e a perspectiva de novo aumento de US$500 bilhões já autorizado para fevereiro, o governo espera acalmar os mercados financeiros e evitar uma redução de sua avaliação pelas agências de risco.
Sotero lembra que, como o próprio Obama reconheceu, o pacto anunciado não foi o que ele batalhou para alcançar. A razão é que o acordo impõe a redução do gasto federal "numa economia anêmica e que precisa de mais infusão de dinheiro público para crescer de maneira vigorosa e começar a reduzir o desemprego de 9,2%".
Jamais um presidente americano foi reeleito com tal taxa de desemprego, ressalta Sotero. O segundo aumento depende da aprovação do Congresso, mas Obama tem poder de veto, o que torna a mudança garantida, embora não evite a crise política que viria em consequência desse novo embate entre a Casa Branca e a Câmara com maioria republicana e dominada pelos radicais de direita.
Para se ter uma ideia do tamanho do problema, críticos democratas atacaram duramente o presidente, considerando que Obama poderia ter evitado esse desfecho se tivesse seguido o conselho do ex- presidente Bill Clinton e invocado a 14ª emenda da Constituição, que trata da "validade da dívida pública americana", aumentando unilateralmente o teto do endividamento.
Mas o jornalista Paulo Sotero considera que a consequência provável de uma atitude dessas "seria um processo de impeachment e uma crise constitucional que tampouco contribuiria para melhorar a confiança na economia americana".
Embora tenha sido claramente derrotado pelos republicanos, o presidente Barack Obama ainda tem uma possibilidade de retomar a tese do aumento de impostos, pois só US$917 bilhões de cortes nos próximos dez anos estão definidos inicialmente.
Até 23 de novembro, um comitê de 12 membros da Câmara e do Senado terá que identificar cortes adicionais ou aumento de receita no valor total de US$1,2 trilhão a US$1,5 trilhão.
Medidas fiscais que aumentem a receita da União, ou retiradas de isenções de impostos, poderão ser novamente estudadas, além de cortes na Defesa, o que deixa os republicanos histéricos e pode servir de barganha.
Se não houver acordo sobre um mínimo de US$1,2 trilhão em cortes, ou o Congresso rejeitar as sugestões da comissão, automaticamente começarão os cortes nesse valor a partir de 2013, a critério do Executivo.
Paulo Sotero destaca que os membros do Tea Party, que encurralaram a liderança republicana e os candidatos presidenciais do partido "com sua guerra santa contra o déficit", estão frustrados porque não conseguiram o corte de US$4 trilhões em dez anos do déficit federal e sabem que a comissão parlamentar bipartidária de 12 deputados incumbida de negociar os detalhes do acordo até novembro "cortará gastos militares, que eles querem proteger, e, direta ou indiretamente, aumentará impostos, o que é anátema para essa ala dos conservadores".
Além disso, lembra Sotero, no Congresso, os deputados dos dois partidos "estão furiosos com o esvaziamento de sua principal função, que é o exercício do chamado "power of the purse", ou seja, "poder da bolsa".
O acordo transferiu esse poder para a comissão de 12 deputados, que trabalhará sob a ameaça de cortes de programas militares e sociais, sobretudo do seguro médico para idosos medicare, se não chegar a um entendimento.
A conclusão de Sotero vai ao encontro das previsões mais pessimistas: "Num mundo em que as economias da Europa e do Japão já andam de lado, sem perspectiva de retomada, o desfecho da crise fiscal americana expõe a paralisia em Washington, diminui a confiança do mundo na capacidade política dos EUA de enfrentar os desequilíbrios de sua economia e introduz novas incertezas e, potencialmente, instabilidade no panorama da economia global. Isso, obviamente, não é bom para o Brasil e para ninguém."
FONTE: O GLOBO
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