domingo, 22 de janeiro de 2012

Saindo do faz de conta:: Suely Caldas

No auge dos escândalos de desvios de dinheiro público, o governo Lula determinou aos ministérios prioridade ao uso de pregões eletrônicos em seus contratos de compra, supostamente para dar maior transparência aos gastos do governo. Pois bem, em 2011 quase metade (de 45,2%, em 2010, passou para 47,8%) de todas as compras do governo foi efetuada sem licitação alguma, nem eletrônica, nem disfarçada, nem de cartas marcadas, simplesmente com o fornecedor escolhido. Já no governo Dilma, no auge de repasses milionários de verbas do Ministério do Esporte para o PC do B por meio de ONGs fantasmas, a presidente ordenou o fim dos convênios com essas organizações. A prática voltou e prolifera em praticamente todos os ministérios. E o Congresso não fica de fora: acaba de aprovar mais R$ 1 bilhão (a proposta inicial do Executivo era de R$ 2,4 bilhões) em repasses do Orçamento de 2012 para as ONGs. Afinal, elas não seriam "não governamentais"?

Nos últimos nove anos os governos do PT têm seguido um ritual enganador e marqueteiro para tentar abafar escândalos: faz anúncios impactantes, diz que vai cortar o mal pela raiz e proibir práticas que facilitam a corrupção. Mas pouco tempo depois tudo volta: os mesmos métodos, as mesmas práticas. De tão desmoralizado, esse ritual não serve mais, está desacreditado. Mas o governo continua a ele recorrendo. Incompetência? Falta de alternativa não é.

Esquecido na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) desde 2010, o projeto de criação da Lei de Responsabilidade Orçamentária é um poderoso antídoto contra a corrupção ou desperdício do dinheiro público. Proposta pelo ex-senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), a lei pretende agir justamente na estrutura da elaboração dos orçamentos públicos (da União, Estados e municípios), dando a eles racionalidade e direcionando a aplicação do dinheiro para projetos tecnicamente prioritários, viáveis e de interesse da população.

A Lei de Responsabilidade Orçamentária complementa o que a bem-sucedida Lei de Responsabilidade Fiscal deixou de focar. Se a fiscal age no sentido de melhorar a qualidade da gestão dos governantes, a outra atua na estrutura dos orçamentos públicos, procurando cortar excessos e vícios a que recorrem governos e parlamentares para enquadrar os orçamentos aos seus interesses, raramente coincidentes com os da população. Se estivesse em vigor, por exemplo, o governo e o Congresso não estariam aprovando verba extra e aleatória de R$ 3,4 bilhões para as ONGs, sem cumprir uma série de justificativas especificadas na lei. Ela procura também acabar de vez com o conhecido orçamento hipócrita, de mentirinha, pelo qual o Executivo envia ao Congresso uma proposta com valores subestimados, o Legislativo inventa receitas extras para abrigar suas emendas e está formada a cadeia de negócios e chantagens entre governo e Parlamento, pela qual o primeiro libera dinheiro para atender a emendas do segundo sempre que precisa aprovar no Congresso matéria de seu interesse. É o jogo de chantagem pelo qual transita e é desperdiçada boa parte do dinheiro da população.

Nascida - como mandam os bons costumes - por iniciativa do Legislativo, e não pela imprópria, despótica e impositiva medida provisória, a proposta inicial da Lei de Responsabilidade Orçamentária recebeu acréscimos dos senadores Renato Casagrande (PSDB-ES) e Raimundo Colombo (DEM-SC), foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça, mas adormece na gaveta do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), seu relator na CAE, que diz não ter apoio do governo para fazê-la andar.

Há informações de que a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, andou procurando a assessoria permanente do Congresso para orçamento interessada em retomar o tema, mas até agora não o incluiu na lista de prioridades do governo para tramitação no Congresso.

Seria uma boa chance para Dilma sair das inúteis e desacreditadas pirotecnias contra a corrupção e buscar instrumentos capazes de resolver o problema agindo na raiz, na estrutura, não no faz de conta, na mentirinha.

Jornalista, é professora da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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