Em Itaboraí, negociação incluiu construção de quadra; milicianos também
criaram "pedágio"
Vera Araújo, Marcelo Remígio
Milicianos e traficantes estão cobrando de R$ 30 mil a R$ 50 mil, ou mesmo
obras, para que candidatos a prefeito e vereador façam campanha em seus
redutos. Pelo menos em sete favelas, dois complexos - Maré e Manguinhos - e
quatro conjuntos habitacionais das zonas Oeste e Norte do Rio, além de
Itaboraí, Niterói, Belford Roxo, Nova Iguaçu e Duque de Caxias, já há casos, de
acordo com levantamento feito junto aos partidos. Ontem, na favela da Reta
Velha, onde, de acordo com o juíz da 151ª Zona Eleitoral de Itaboraí, há 19 mil
eleitores, foi feita uma megaoperação com fiscais do Tribunal Regional
Eleitoral (TRE-RJ) e policiais civis para retirar material irregular de
campanha e prender seis traficantes suspeitos de extorquir dinheiro de
candidatos.
Desde que o juiz eleitoral Marcelo Villas esteve na Reta Velha pela primeira
vez, há um mês, ele identificou que apenas um candidato a prefeito e cinco a
vereador tinham propaganda na localidade. O fato levou a um inquérito na
Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo (DH), que corre em segredo de
Justiça, para apurar a venda de espaço a candidatos para propaganda. As
investigações constataram que os traficantes negociaram, em troca de votos e do
livre acesso à favela, a construção de uma quadra poliesportiva na comunidade
com emissários que seriam ligados à prefeitura de Itaboraí.
Entre os mais de 20 depoimentos prestados por testemunhas à delegacia sobre
o caso, o do proprietário da empresa GCI Estruturas Metálicas - cujo nome está
em sigilo -, responsável pela obra, já embargada pelo juiz, é o mais
contundente. Segundo o depoimento, ele foi procurado por uma funcionária do
município, que lhe propôs a construção da quadra. Em troca, a emissária
prometeu beneficiar a empresa dele em licitações, caso o candidato que ela
representava fosse eleito. Ele aceitou a "parceria", comprovada por
uma nota fiscal no valor de R$ 27 mil, para a compra de material. À polícia,
ele afirmou que foi instruído a dizer que a obra era doação.
Outra evidência no inquérito é a troca de e-mails, rastreados com
autorização judicial, entre a empreiteira e o esquema, em que se combina a
cotação da obra de forma cifrada. A quadra foi o passaporte para a entrada na
área dominada pelo tráfico. Quem não pagou o "pedágio" foi proibido
de colocar material de campanha. Até os moradores foram impedidos de manter
placas de seus candidatos, e cabos eleitorais proibidos de entrar na favela.
Juiz interdita quadra
Uma testemunha, moradora da Reta Velha, contou, em detalhes, que os
traficantes só autorizam a entrada de políticos que aceitem as regras: "os
políticos pagam em torno de R$ 30 mil ao chefe do tráfico, e parte do dinheiro
é aplicada na própria favela, como a quadra poliesportiva que está sendo
construída". No inquérito, há referências a líderes comunitários. Um deles
já foi preso por tráfico.
A ação de ontem foi chefiada por Villas, que percebeu que desta vez os
traficantes estavam recortando placas e retirando fotos dos candidatos que não
negociaram o espaço.
- Nas quatro incursões, só encontramos placas de um candidato a prefeito e
de cinco vereadores. Em outras favelas do município, chegamos a ver propaganda
de mais de 50 candidatos. É claro que ninguém doa uma quadra, por isso
interditei a obra. Também mandei fechar a associação de moradores - explicou o
juiz, que ontem apreendeu uma agenda do tráfico com nomes de políticos: - Foi a
última operação, e vencemos a resistência do tráfico.
Segundo o titular da DH, Wellington Vieira, os envolvidos podem responder
por abuso de poder político e econômico e captação de votos:
- A polícia vai concluir a investigação e apresentar o relatório final na
semana que vem.
A cobrança por parte de traficantes ou milicianos para o livre acesso também
ocorre na capital, Baixada e Região Metropolitana. O valor é definido segundo a
densidade eleitoral. Em favelas de Manguinhos, a tabela imposta por traficantes
vai de R$ 25 mil a R$ 30 mil. Já em áreas da Maré, o acesso e a instalação de
placas podem chegar a R$ 50 mil.
Fonte: O Globo
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