• PMDB propõe competente esboço de programa de ajuste estrutural, capaz de servir de agenda para um entendimento político à altura das turbulências econômicas
Ressalvadas as diferenças entre os momentos históricos, “Uma ponte para o futuro”, documento do PMDB sobre a economia divulgado quinta-feira, tem a importância política da Carta ao Povo Brasileiro, pela qual Lula, na campanha eleitoral vitoriosa de 2002, se comprometeu a não investir contra a segurança jurídica e os princípios da economia de mercado. Cumpriu o prometido e debelou a crise deflagrada pela expectativa diante da ascensão do PT ao Planalto.
Agora, há uma conjuntura econômica bem mais grave que aquela, e o documento do PMDB finca estacas de referência corretas para balizar um grande e necessário acordo entre partidos e a sociedade, para o enfrentamento da mais séria turbulência econômica desde a aceleração da inflação a partir do final do governo Sarney. Ali, desembocou-se no Plano Real.
Há, ainda, a vantagem em relação à Carta ao Povo Brasileiro de se tratar de uma proposta feita pelo mais importante partido de sustentação do governo Dilma, fora o PT. Em 2002, se tratou de um aceno do candidato à Presidência líder nas pesquisas, mas ainda um candidato. Agora, este esboço de um competente programa de estabilização da economia vem de dentro do condomínio no poder.
O diagnóstico que o partido faz da situação do país tem respaldo em núcleos acadêmicos de pensamento econômico, com exceção dos chamados “desenvolvimentistas”, apoiadores firmes, mesmo hoje, do voluntarismo que levou o Brasil a acumular um déficit público total de mais de 9% do PIB — do nível de país europeu no auge da crise no continente—, inflação vizinha dos dois dígitos e uma dívida pública em marcha batida para os 70% do PIB, algo de extrema gravidade porque ela é financiada a uma taxa de juros de astronômicos 14%.
O partido propõe um programa de reforma fiscal estrutural, muito mais efetivo que as medidas encaminhadas ao Congresso pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, Joaquim Levy e Nelson Barbosa, destinadas apenas a fechar as contas, e não a eliminar as causas dos desequilíbrios. Pois, mesmo que as contas fechem, sem mudanças estruturais os déficits voltarão logo à frente, e maiores. Ainda que se recrie a CPMF e se eleve uma carga tributária muito pesada, na faixa dos 36% do PIB, contra 25% nos Estados Unidos, 24% na Coreia, 20% no México. O Brasil taxa como a Alemanha e a Grã-Bretanha, mas oferece serviços públicos abaixo da crítica.
O PMDB identifica dois eixos que levaram o Brasil à situação de efetivo estrangulamento fiscal, mesmo com enorme carga tributária: um grande volume de despesas obrigatórias que engessam o Orçamento e, tão grave quanto, várias delas indexadas à inflação ou, pior, ao salário mínimo.
Este gesso precisa ser rompido, bem como desligados os mecanismos de indexação, pelos quais as despesas aumentam, mesmo quando as receitas tributárias e a renda da população encolhem, veneno mortal para qualquer país.
O partido reforça, também, a bancada a favor de uma urgente e efetiva reforma da Previdência que estabeleça uma idade mínima para a aposentadoria, pelo menos 65 anos para os homens e 60 para as mulheres. Sempre respeitando os direitos adquiridos. Como argumenta o PMDB, os 12% do PIB que o Brasil já gasta com os regimes públicos de aposentadoria são mais que o dobro do índice nos Estados Unidos e no Japão, e estão no mesmo nível de proporção na Alemanha e na França, com populações de idade média mais alta que a nossa.
Desengessado o Orçamento e desindexados os gastos, propõe o PMDB que as despesas estabelecidas pelo Executivo e aprovadas pelo Congresso sejam de fato impositivas, a não ser em casos de queda na coleta de impostos. Estabelece-se, dessa forma, o conceito salutar do “orçamento com base zero”: todos os anos, os programas de gastos públicos serão avaliados de forma independente, com vistas à previsão dos gastos no exercício seguinte.
Com esta reforma estrutural, cairão, naturalmente, os juros e, com isso, exorciza-se o fantasma da insolvência do Estado. Abre-se, também, espaço para aperfeiçoamentos específicos na administração dos títulos públicos e na própria atuação do Banco Central neste segmento do mercado financeiro.
Outro aspecto positivo da iniciativa da cúpula peemedebista é clarear a angustiante cena político-legislativa, conflagrada pela luta em torno do impeachment de Dilma e do futuro do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Independentemente do desfecho desses embates, é necessário haver um horizonte para um amplo programa de ajuste estrutural, apoiado por diversificada aliança partidária. Mesmo sendo o PMDB uma conhecida federação de grupos políticos regionais, o documento tem o poder de unir a legenda, bem como de atrair a oposição.
Cabe, agora, um momento de serena reflexão por parte do PT, para ele responder à questão: se deseja apoiar uma aliança para resgatar o país do perigo de uma longa estagnação econômica e social, com desdobramentos político-institucionais imprevisíveis, ou continuar na estratégia tosca do “nós contra eles”. Foi o que o partido fez no Plano Real, e perdeu.
Haverá, ainda, cabeças pouco arejadas no PT e cercanias que denunciarão o sacrilégio de o documento adotar visões da economia compartilhadas entre tucanos, políticos de partidos de oposição e analistas independentes. Se isso ocorrer, será denunciada, mais uma vez, a indigência do estágio do debate político no Brasil. Partidarizar conceitos econômicos é o caminho mais curto para a mediocridade, é condenar o país à pasmaceira em que se encontra um governo cuja presidente liderou uma política econômica ruinosa, no mandato anterior, e é forçada a se desfazer da própria herança maldita, e sem base parlamentar para tal. Pelo menos até agora.
A crise permite à sociedade e aos políticos pactuarem que existem cláusulas pétreas na condução da economia: inflação baixa e sob controle; para isso, responsabilidade fiscal e, portanto, dívida pública em proporção razoável em relação ao PIB; e jamais adotar políticas voluntaristas, mesmo em nome do combate aos desníveis sociais, a serem reduzidos pela Educação. São cláusulas que nunca estão em risco quando a oposição assume governos nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na Alemanha, na Suíça etc.
Se fizer um exame de consciência, o partido entenderá, afinal, por que adotou receituário “neoliberal” de 2003 a 2005. Os menos informados acham que se tratou de um golpe de esperteza para reeleger Lula. Resultou nisso de fato, mas, na verdade, foi o instinto de sobrevivência que inspirou aquele cavalo de pau. Mas como o PT nada aprendeu, o partido, a partir do final do primeiro mandato de Lula, em todo o seu segundo governo e em Dilma1, deu respaldo a uma política econômica populista, causa da debácle atual.
A história se repete a partir do documento do PMDB. O destino dá aos petistas uma segunda chance para entender, enfim, o que é uma política econômica sensata, séria. Talvez não tenha outra oportunidade enquanto estiver numa posição de destaque na vida pública nacional.
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