Em meio às críticas do PT e do ex-presidente Lula, o ministro da Fazenda. Joaquim Levy, chegou a redigir uma carta de demissão e pediu reunião com a presidente Dilma ontem. Mas ela não chegou a recebê-lo sozinho, e a iniciativa de Levy foi criticada por interlocutores da presidente
Sob pressão
• Levy ameaça sair e irrita Planalto, que vê tentativa do ministro de se fortalecer
Por Martha Beck, Eliane Oliveira e Bárbara Nascimento – O Globo
BRASÍLIA - Bombardeado pelo ex-presidente Lula e por parte do PT, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, chegou ontem a redigir uma carta de demissão e pediu reunião privada com a presidente Dilma Rousseff no fim da tarde. Na avaliação de fontes do Palácio do Planalto, a movimentação de Levy foi uma estratégia para tentar se fortalecer no governo. A intenção era reclamar do fogo-amigo, mas a reunião não aconteceu e, no começo da noite, o Ministério da Fazenda informou que o ministro continua no cargo.
No governo, as informações de que Levy estava com uma carta de demissão pronta para entregar à presidente Dilma foi lida como uma “operação” orquestrada pela Fazenda como forma de o ministro ganhar um aval, em meio à sistemática pressão do ex-presidente Lula e do PT para que ele saia.
A estratégia, segundo um auxiliar presidencial, foi vista como “desnecessária” e “inoportuna”, porque gerou mais uma onda em meio a um mar já revolto, com tantos problemas a serem administrados, definiu a fonte.
A turbulência ocorre num momento em que o governo enfrenta fortes dificuldades para aprovar no Congresso medidas consideradas essenciais para o reequilíbrio das contas públicas, como a recriação da CPMF, e acaba de sofrer um novo rebaixamento pelas agências de classificação de risco, neste caso, a Fitch. A equipe econômica ainda conta com a CPMF para fechar as contas de 2016, mas sabe da rejeição dos parlamentares ao tributo e da intenção do relator de não incluir a contribuição no cálculo de receitas.
Ataques de Lula, PT e Congresso
Levy sabe que é o fiel depositário da credibilidade que ainda resta na equipe econômica e usou esse trunfo para mostrar que é necessário, apesar das duras críticas que vem sofrendo.
Segundo interlocutores do governo, Lula tem defendido enfaticamente a troca do ministro da Fazenda por considerar que ele tem um discurso muito negativo e voltado para o ajuste fiscal, quando deveria estar falando mais de uma agenda positiva e da retomada do crescimento da economia. Ao participar do congresso nacional da CUT, na última terça-feira, o ex-presidente atacou a atual política econômica e disse que não se pode apenas ficar falando de cortes.
Um sinal da irritação atual do ministro foi a forma como Levy se comportou anteontem, após o anúncio do rebaixamento do Brasil pela Fitch. Assim que a notícia do downgrade começou a circular, o Palácio do Planalto pediu que a Fazenda se manifestasse e que Levy desse alguma declaração. O ministro não quis falar. Foi ao Planalto para participar de reunião da Junta Orçamentária e saiu sem dar declarações. A presidente não gostou da atitude dele.
Durante todo o dia, o Palácio do Planalto esperou que a Fazenda ao menos soltasse uma nota para comentar o rebaixamento e, como nada aconteceu até as 20h, o próprio Planalto foi obrigado a divulgar uma nota. Somente depois disso, em torno das 22h, foi que Levy decidiu se posicionar e mandou sua assessoria divulgar um comunicado. A essa altura, o governo não esperava mais que a Fazenda fosse comentar o assunto.
Se, de um lado, Levy está aborrecido, de outro, também está provocando irritação no Planalto. Sua atitude em relação à Fitch foi muito criticada por interlocutores da presidente Dilma. O fato lembrou episódio anterior que desagradou muito a cúpula do governo: no início de setembro, o ministro demorou mais de três horas para avisar a presidente sobre a decisão da agência de risco Standard & Poor’s de retirar o grau de investimento, selo de bom pagador do país. Levy foi avisado do downgrade no início da tarde, mas só comunicou a chefe depois das 18h.
— O Joaquim não é fácil. Mas ele adora o que faz e nunca quis realmente deixar o cargo — disse um integrante da equipe econômica.
Segundo interlocutores do ministro, Levy estaria com raiva e muito incomodado com os recentes ataques vindos não só do ex-presidente Lula e do PT, mas também do Congresso. A avaliação feita pelo próprio ministro a interlocutores é que seu isolamento cresceu tanto no Congresso quanto em setores do governo.
Segundo interlocutores do Planalto, essa não foi a primeira vez que o ministro ameaçou deixar o governo. Uma delas ocorreu em julho, quando a equipe econômica discutia a redução da meta de superávit fiscal primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) de 2015. Levy queria aguardar até o segundo semestre para reconhecer que o esforço fiscal de R$ 66,3 bilhões, ou 1,19% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) não seria atingido. Mas ficou isolado, pois Dilma apoiou a posição dos ministros do Planejamento, Nelson Barbosa; e de Aloizio Mercadante, então chefe da Casa Civil. A meta foi reduzida para R$ 8,7 bilhões, ou 0,15% do PIB.
Recentemente, Levy também foi contra a decisão de enviar ao Congresso a proposta orçamentária de 2016 com um déficit de R$ 30,5 bilhões. Com as receitas em queda, ele defendia que o Planejamento ampliasse os cortes de despesas para que o texto ficasse equilibrado e fosse compatível com uma meta de superávit fiscal primário de 0,7% do PIB no ano que vem. No entanto, a presidente bateu o martelo pelo déficit.
Encontro não privado
Poucos dias depois do envio ao Congresso da proposta orçamentária com déficit, o primeiro da História, Levy se reuniu com grandes empresários em São Paulo para discutir a crise econômica e os efeitos de uma flexibilização da área fiscal. A tônica da conversa foi que o governo precisava dar sinais concretos de que está comprometido com uma política fiscal equilibrada e que estava trabalhando para resolver o déficit orçamentário, mesmo que isso resultasse em mais cortes de gastos e afetasse os programas sociais. Os empresários, então, procuraram a presidente para conversar e defender os argumentos do ministro. Foi somente depois disso que o governo passou a trabalhar em medidas para reequilibrar o orçamento do ano que vem. A principal delas é a recriação da CPMF, que pode render R$ 32 bilhões aos cofres públicos, mas enfrenta forte resistência no Congresso.
Integrantes do Palácio do Planalto afirmam que a possibilidade de saída de Levy do governo não foi abordada na reunião de ontem da Junta Orçamentária, na qual o ministro e Dilma se encontraram, junto com outros dois ministros e integrantes do governo. Aliados do ministro acreditam que ele está disposto a permanecer no cargo por mais tempo, por ainda se sentir respaldado pessoalmente pela presidente Dilma, mas reconhecem que ele se sente cada vez mais desgastado.
Ao fim de uma semana na qual as notícias na área política foram mais positivas para o governo do que nos últimos tempos, integrantes do governo festejaram a continuidade do ministro no cargo. Essas autoridades consideram improvável que a situação mude nos próximos dias, já que Dilma embarcou ontem à noite para a Suécia e só volta a Brasília na quarta-feira.
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