- Valor Econômico
• Pior mudança seria o fim das receitas em tempo real
A campanha que mal começou e está prestes a acabar fornecerá os subsídios para a batalha legislativa do financiamento eleitoral. Na base dos partidos que apoiam o presidente Michel Temer é majoritário o desejo de que a eleição de outubro seja filha única das regras que proíbem o financiamento empresarial. O fim do veto se imiscuiria na gincana de descriminalização das relações entre dinheiro e política, onde se inclui a anistia da Lava-jato.
A maior recondução de prefeitos ou o sucesso de candidatos apoiados pelo ocupante do poder, além da eleição de um grande número de postulantes ricos, midiáticos e evangélicos servirá de combustível para os proponentes da volta às regras anteriores. A vitória de candidatos de oposição em campanhas que, a despeito de modestas, vierem a ser bem sucedidas em capturar o fastio do eleitor com a política demonstrará, por outro lado, que as regras ainda carecem o benefício de novas disputas antes de virem a ser descartadas.
A campanha de Porto Alegre se encaixa no repertório que almeja a manutenção das regras. A candidata do Psol abusa da internet, mas em seus 12 segundos na televisão, Luciana Genro limita-se a dizer que tem 30 anos de vida pública, os pés no chão e as mãos limpas.
Lidera as pesquisas com 23% das intenções de voto, cinco pontos percentuais acima do segundo colocado, o ex-prefeito Raul Pont (PT), o que faz da cidade em que a ex-presidente Dilma Rousseff escolheu para morar uma das únicas capitais em que a disputa é encabeçada por dois candidatos anti-impeachment. O eleitor do Psol é mais instruído, rico e jovem do que do PT.
A campanha de Luciana é quase exclusivamente (98%) bancada pelo partido. A única doação privada (R$ 7 mil) é de um advogado. Da receita de R$ 308 mil até ontem, nenhum centavo veio por internet, ao contrário daquela de seu correligionário, Marcelo Freixo, no Rio, que arrecadou, desta forma, 43% de seus recursos. Em Porto Alegre, os R$ 10 mil cobrados pela operadora, além dos 10% de cada transação, foram considerados excessivos. A partir desta semana, a campanha vai começar a passar o chapéu entre profissionais liberais.
O comitê de Pont, que tem uma receita inferior à de Luciana (R$ 202 mil), ainda não havia registrado até ontem nenhum repasse do PT. O candidato é da Democracia Socialista, corrente desalinhada do campo majoritário do PT, e nunca teve seu nome associado a escândalos. A sigla não aparece, só Dilma, cujo discurso de defesa no Senado teve um trecho reproduzido na TV. Doações de até R$ 10 mil respondem pela quase totalidade da campanha. A maioria delas é de advogados.
O candidato do PSDB (Nelson Marchezan Jr) tem 87,8% de suas doações, o dobro daquelas registradas por Luciana, egressas de empresários. Um acionista da Taurus doou duas vezes mais (R$ 120 mil) do que o partido. É igualmente minoritária a cota partidária (30%) na campanha do candidato do PMDB (Sebastião Melo) que tem o apoio do prefeito e do governador e uma receita equivalente à registrada pela candidata do PSol.
A liderança da única deputada quase exclusivamente bancada por seu partido tem razões que a colocam num ponto fora da curva do PSol. Luciana tem o recall da disputa presidencial e a narrativa de ex-petista expulsa por dirigentes posteriormente condenados pela justiça, o que facilita sua assimilação pelo eleitor de esquerda desencantado com o PT.
Também são candidatos 100% bancados por seus partidos que lideram a campanha em São Paulo e no Rio, Celso Russomanno e Marcelo Crivella, ambos do PRB. Se a competitividade de Luciana e, em grande medida, o desempenho de Pont, dá gás aos defensores da ideia de que é possível fazer campanha sem dinheiro empresarial, as campanhas do Rio e de São Paulo não desmentem a tese.
Em ambas as cidades, a premissa de que as novas regras vieram a facilitar a vida de quem tenha uma igreja evangélica ao seu lado, pode vir a se confirmar. Para isso, ambos terão que manter sua competitividade. Tanto Crivella quanto Russomanno, já haviam saído à frente na última campanha municipal, sob outras normas de financiamento, e dela saíram derrotados.
O favorecimento do candidato rico, outra das premissas dos adversários do atual modelo, ganhará um grande impulso se o empresário João Dória Jr. se mostrar viável para o segundo turno. Um terço das receitas declaradas em sua campanha veio de seu próprio bolso. O candidato tucano, no entanto, não tem apoio desprezível de seu partido, responsável, até ontem, por 61% do total arrecadado.
A maciça presença de fornecedores da prefeitura entre os colaboradores da campanha do pemedebista Pedro Paulo Teixeira, que registra pessoas físicas como origem de 40% de suas receitas, pode dar alento à tese de que o candidato da máquina é beneficiário da atual legislação. A contribuição do PMDB (60%), no entanto, é tão importante quanto aquela registrada por Dória.
A arrecadação dos candidatos nas próximas semanas e seu desempenho na campanha ainda vai sacolejar o pêndulo onde hoje se equilibram defensores e adversários do modelo em vigor. Retrocesso inquestionável, sob quaisquer resultados eleitorais, seria a mudança da exibição em tempo real das doações de campanha. Precursor, quando juiz eleitoral em comarcas no interior no Maranhão, da medida, o advogado Márlon Reis, fundador do Movimento de Combate à Corrupção, atribui à regra o maior grau de vigilância que diz já ter visto em eleições.
Ainda que a justiça eleitoral não esteja aparelhada para fiscalizar, os concorrentes, com a publicidade dos dados ao longo da campanha, ganharam um instrumental para fazê-lo. Advogado da campanha de Eliziane Gama (PPS), em São Luís, Reis não vê gastos perdulários nem mesmo nas campanhas daqueles que têm o apoio de prefeito e governador. Diz que a regra inibiu o caixa 2 porque quem arrecada não pode usá-lo sob pena de ser denunciado.
Parece não haver dúvidas de que as campanhas acabarão por se mostrar mais simples e baratas. O que ainda é cedo para saber é se esta é uma mudança a ser aceita ou contestada nas Casas que definem os termos da competição eleitoral.
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