O Globo
Ele era só pré-candidato à Presidência. Em
cima de um carro de som em Goiânia, Jair Bolsonaro ensinou uma criança a fazer
com a mão o gesto de uma arma. Uma cena asquerosa. A menininha com vestido
rodado apontava uma arminha para as pessoas, no colo do aspirante ao Planalto,
em julho de 2018. Vale a pena ver de novo.
Deu no que deu. De 2019 até agora, Bolsonaro tem feito de tudo para despejar armas pesadas nas ruas e nos lares, facilitar importação de fuzis e munição, reduzir o controle e a fiscalização do Exército, incentivar adolescentes a atirar e liberar armas de uso pessoal entre policiais. Quer alvejar de morte o Estatuto do Desarmamento de 2003.
Nada que não soubéssemos. Quando era
candidato, Bolsonaro prometeu transformar a Bancada da Bala na Bancada da
Metralhadora. “A metralhadora vai defender a vida de cada um de nós e a
liberdade desse povo, a liberdade de nosso Brasil”, disse há três anos. Esse
celerado foi eleito mesmo assim.
Ninguém sabe direito o que está valendo no
Brasil no tocante (sic) a porte e posse de armas. Vivemos um caos de decretos e
normas. Amanhã, enfim, começa o julgamento virtual histórico do Supremo
Tribunal Federal. Vai até o dia 23. Só o STF pode enterrar de vez os delírios
bélicos do presidente.
O país dos sonhos de Bolsonaro povoa meus
pesadelos. O Exército não mais controlará munições. Civis poderão comprar até seis
armas de fogo sem precisar mais de nenhuma justificativa. Cada cidadão poderá
portar duas armas nas ruas. Atiradores desportivos e caçadores não precisarão
se credenciar na polícia e no Exército e poderão portar armas carregadas. Esses
são itens suspensos pela ministra Rosa Weber. Serão validados ou não pelo
STF.
Já é gravíssimo o que continua em vigor
desde 2019. Armas que eram de uso restrito das forças de segurança, como
pistola 9 mm e carabina .40, são permitidas entre cidadãos. Atiradores amadores
podem comprar até 60 armas. Antes, eram 16.
Armas de fogo registradas dobraram com
Bolsonaro. De 638 mil a 1,3 milhão. A média diária do registro de armas por
pessoas físicas na Polícia Federal saltou de 43 para 378. Por dia. Esse derrame
aumenta desvios para a ilegalidade e criminalidade. Arma na gaveta agrava
também crimes domésticos: 64% das mulheres assassinadas em 2020 levaram
tiros.
Em junho, no Rio de Janeiro, policiais
federais apreenderam quase 500 carregadores de fuzil e pistola, entre eles os de
tipo goiabada, importados, segundo a PF, por morador de favela para
distribuição nos morros. O que aconteceu? Como o presidente tirou os
carregadores da lista de produtos controlados pelo Exército, a empresa
importadora exigiu a restituição da carga e ameaçou processar o policial que
fez a apreensão.
Se o princípio é a autodefesa, por que um
pai de família quer um fuzil? Isso beneficia quem? Os milicianos como Ronnie
Lessa, acusado de matar Marielle Franco.
Fuzil em casa, em vez de feijão, é
crueldade. Perguntei à cientista política Ilona Szabó, do Instituto Igarapé,
estudiosa da segurança pública, o que achou da declaração de Bolsonaro de que o
povo armado jamais será escravizado.
“Historicamente essa frase tem sido usada
por ditadores, como Mussolini na Itália, Hugo Chávez e Maduro na Venezuela e
Papa Doc no Haiti. Todos criaram suas milícias particulares. Em um Estado
Democrático de Direito, como o Brasil, o uso da força é excepcional. O Estado
tem o monopólio de seu uso, e precisa garantir segurança para todos. Liberdade
não se faz com armas”.
E o Congresso nada faz, sabemos por quê.
Joga todas as batatas quentes no colo do Supremo. De mentiras a fuzis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário