segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Mathias Alencastro* - Brasil rifou agenda do clima

Folha de S. Paulo

Enquanto isso, da Colômbia à França há uma mudança de paradigma calcada em valores e pragmatismo

A última semana foi frustrante para aqueles que pensavam que, pela primeira vez, o clima teria um papel central na eleição.

A candidatura ao Senado de um dos mais ilustres defensores do meio ambiente da República, Alessandro Molon (PSB-RJ), está comprometida por trivialidades partidárias. Ciro Gomes (PDT), que há muito vagueia longe de terras democráticas, qualificou a questão indígena de "política de papo-furado".

É muito difícil criticar Simone Tebet (MDB) depois do festival de machismo na convenção que formalizou a indicação da sua vice, a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP). Mas, na condição de presidenciável, ela terá de explicar a contradição entre sua promessa de zerar o desmatamento e o envolvimento histórico do seu grupo na predação de terras em Mato Grosso do Sul.

Para explicar a má relação entre clima e eleição, alguns apontam para a complacência política. Candidatas e candidatos estão sem incentivos para investir na conquista de um eleitorado que já está garantido. Afinal, depois do primeiro governo ecogenocida do país, tudo será considerado progresso.

A segunda, mais cínica, sugere um problema de demanda eleitoral. De acordo com essa tese, os brasileiros, assolados por problemas materiais imediatos, não teriam tempo para se preocupar com a agenda ambiental.

Falem isso para o recém-empossado Gustavo Petro. O primeiro presidente de esquerda da Colômbia jamais escondeu a agenda ambiental durante a campanha. Mesmo nos momentos em que procurava alcançar o empresariado, sua promessa de acelerar a transição do petróleo para as energias renováveis foi mantida.

mesmo vale para Gabriel Boric no Chile, que apesar de comandar um país ainda mais dependente da exploração de seus recursos naturais do que o Brasil, colocou a economia verde na matriz do programa de governo. Ambos mostraram que a radicalidade na política climática é compatível com a busca de alianças ao centro.

Fora da América Latina, o social-democrata SPD só voltou ao poder na Alemanha graças aos verdes. A coalizão de esquerda Nupes, liderada pela França Insubmissa, também deve tudo aos ambientalistas, e nada aos decadentes socialistas. A última chance de Joe Biden de salvar o seu governo foi arrancada pelos ativistas que se jogaram no chão do Congresso para obrigar os senadores democratas a reabrirem as negociações por um pacote de investimento climático.

Essa mudança de paradigma tem tanto a ver com valores quanto pragmatismo. O desafio do aquecimento global dá nova legitimidade à governança do Estado e amplia dramaticamente o horizonte da ação pública. Ele permite a criação de novas iniciativas industriais, científicas e sociais que eram tidas como inviáveis até poucos anos atrás.

Até o liberal Emmanuel Macron se dotou de um quase soviético "Ministério da Planificação Ecológica" para se aproveitar plenamente dessa nova oportunidade. Em todas as democracias ameaçadas pela ultradireita, a política climática tem tido um papel fundamental na refundação do Estado.

Cabe ao eleitor exigir que o Brasil se torne uma infeliz exceção.

*Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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