O Globo
Petista só avançará para a maioria no
centro se tocar uma administração econômica como a do seu primeiro mandato
Então ficamos assim: vai-se Bolsonaro,
volta Lula.
Pela ordem: Bolsonaro. Ele não sai com os
58 milhões de votos que obteve no segundo turno. Pesquisas e a observação
política sugerem que em torno de 40% escolheram votar no capitão. Os demais,
contra o PT.
Os que escolheram Bolsonaro, obviamente,
integram a direita, especialmente nos valores morais, religiosos e de costumes.
Mas é possível dizer, com boa margem, que a minoria desses eleitores faz parte
da direita extremista, essa que fechou estradas e ainda quer melar as eleições.
Os demais, maioria desse grupo, votaram em Bolsonaro por falta de outra opção
firme à direita.
Se essas observações estiverem corretas —
e, claro, acredito que estão —o bolsonarismo raiz é uma pequena fração do
eleitorado brasileiro. Nesse caso, fora da Presidência, Bolsonaro volta ao
baixo clero, de onde só saiu por uma combinação de acidentes históricos.
Simplesmente, não é possível aceitar que
existam no Brasil 58 milhões de direitistas radicais. Mesmo entre os 25
milhões, mais ou menos, que escolheram o capitão, não é possível aceitar que
sejam todos fascistas, golpistas.
Dirão: mas fecharam estradas e ainda fazem
manifestações.
Não funciona. Um punhado de caminhoneiros
mais os baderneiros que não têm mais o que fazer podem interromper uma via.
Tudo considerado, os eleitores de direita — os não extremistas — procurarão outros candidatos. Já têm pelo menos dois à disposição, os governadores Romeu Zema e Tarcísio de Freitas.
Mas o episódio Bolsonaro não termina aí.
Houve uma tentativa — meio tabajara, mas ainda assim uma tentativa de golpe.
Houve organizadores e financiadores. Têm que ser apanhados.
Agora, Lula. Também não são todos dele os
60 milhões de votos que obteve no segundo turno. De novo, pesquisas e
observações sugerem que metade escolheu Lula, a outra metade votou contra
Bolsonaro. Nessa segunda metade estão, inclusive, figuras ilustres que deixaram
clara sua opção: Bolsonaro é o risco maior para a democracia.
Vai daí que Lula tem um enorme desafio pela
frente se quiser mesmo aposentar-se com um bom governo que deixe em segundo
plano, na história, os erros do passado —aqui incluídas a corrupção e a
desastrosa gestão econômica.
Para isso, não poderá governar só com o PT,
nem só para seus eleitores fiéis. Precisa formar uma frente ampla e criar um
ambiente de credibilidade na política econômica, esta uma questão-chave.
Quase todo mundo no centro político, tanto
à esquerda quanto à direita, aceita que Lula aumente os gastos e fure o teto em
2023 para atender compromissos —especialmente o novo Bolsa Família e o reajuste
do salário mínimo.
Mas a concessão dessa licença tem
contrapartida: a definição de um ministro da Fazenda e, sobretudo, de uma
equipe econômica que transmita credibilidade aos agentes internos e externos.
Por agentes econômicos, incluímos aqui todos os que tomam decisões no dia a
dia: comprar, poupar, investir, tomar financiamento. Isso depende da confiança
de que se terá um ano de gastança, seguido de vários anos de equilíbrio fiscal
e monetário.
Claro que o público não está atento a essas
questões de superávit primário ou rigor fiscal. Mas perceberá quando o aumento
do déficit e da dívida pública gerar mais inflação, mais juros, menos atividade
e empregos.
A gestão econômica puramente petista, do
segundo mandato de Lula e do mandato e meio de Dilma, deixou inflação, recessão
e estatais quase quebradas. Isso está na lembrança de investidores nacionais e
estrangeiros.
Tudo considerado, Lula só conseguirá
completar esse movimento —sair de sua bolha e avançar para a maioria no centro
—se tocar uma administração econômica como a de seu primeiro mandato. Isso quer
dizer: um ministro petista, político, moderado, que monte uma equipe
responsável no equilíbrio das contas públicas e na derrubada da inflação.
Não será fácil. O erro traz a direita de
volta.
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