segunda-feira, 8 de abril de 2024

Hélio Schwartsman - O teste do tempo

Folha de S. Paulo, 7.4.2024

Ideias de Hannah Arendt não envelheceram; filósofa foi presciente em relação a Israel

Há autores que passam bem pelo teste do tempo. Hannah Arendt é um deles. Não que ela tenha acertado em tudo, mas seus escritos permanecem em larga medida atuais.

"We Are Free to Change the World" (somos livres para mudar o mundo), de Lyndsey Stonebridge, não é exatamente uma biografia, embora funcione como uma. A obra analisa alguns dos temas centrais da filósofa, explicando sua gênese, o sentido que faziam à época e de alguma forma os atualizando para os dias de hoje. É assim que Stonebridge explora tópicos que teimam em permanecer entre nós, como tirania, pós-verdade, refugiados, racismo, e coloca figuras como Putin Trump sob o escrutínio das ideias de Arendt.

Em alguns casos a filósofa se mostra presciente. Ela percebeu bem que a criação do Estado de Israel se tornaria um problema moral. Ao lado de uma minoria de intelectuais judeus, defendia que Israel fosse um Estado binacional, de judeus e árabes. Para ela, essa era a única forma de evitar uma vizinhança hostil e o problema de pessoas privadas de cidadania, uma condição que ela experimentara na pele, depois que Hitler desterrou os judeus alemães. Ela discutiu várias questões como essa com Golda Meir, a premiê israelense de quem era amiga, apesar das diferenças de opinião.

Em relação ao racismo nos EUA, Arendt não se sai tão bem. Ela obviamente se opunha à discriminação. Numa espécie de protesto contra o racismo, nunca visitou o sul de seu país adotivo. Mas ela se opôs ao movimento de integração escolar por meio de ônibus que levavam crianças negras a escolas de maioria branca. Esse sistema é hoje visto como um marco dos direitos civis. Arendt, porém, achava que ele impunha uma carga pesada demais às crianças negras, que eram submetidas a todo tipo de bullying.

Achei Stonebridge excessivamente contida quando traz as ideias de Arendt para os dias de hoje, mas a timidez não torna a obra menos interessante.

 

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Minha vizinha (negra) não colocou os filhos na escola para não virar chacota,isto nos anos setenta,o marido de certo compactuava,claro.

ADEMAR AMANCIO disse...

Eu virei chacota em todo lugar,branco-bicha.Pior do que a chacota são as ofensas.