quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Míriam Leitão - Barões da energia e a nossa conta

O Globo

O governo tem errado no setor de energia em decisões que podem favorecer grupos privados e elevando a conta para o consumidor

Na energia o governo tem errado muito. Erros que podem aumentar a conta de luz no futuro. Esse setor é um campo minado de interesses privados e tem um único pagador de todas as promessas: o consumidor. Todo o cuidado é pouco. Decisões erradas do governo têm riscos e custos. Entrar em briga para que a Aneel aceite o acordo das térmicas e da Amazonas Energia é mandar o consumidor pagar R$ 8 bilhões a mais do que pagaria para viabilizar um negócio que só favorece o J&F, dos notórios Joesley Batista e Wesley Batista.

Para entender as confusões do setor é preciso separar os fios. Alerta: alguns deles são desencapados. Como já foi bem explicado neste jornal pela colunista Malu Gaspar, a Âmbar, empresa de energia do grupo J&F comprou térmicas que não recebiam do seu cliente, a Amazonas Energia, uma empresa falida. Uma medida provisória tornou o negócio viável, repassando o custo ao consumidor. Então, o grupo ficou também dono da Amazonas. O J&F quer que o custo a ser repassado na conta de energia seja de R$ 16 bilhões, a Aneel calculou que metade disso é o suficiente. Contudo, uma decisão da Justiça, em primeira instância, mandou a Aneel aceitar os termos do acordo. O Ministério de Minas e Energia fez pressão, e a agência admitiu rever seus cálculos. Mas, vejam bem, é um acordo privado, fazendo política tarifária, com consequência para o consumidor. O ministro Alexandre Silveira deveria ter acionado a AGU para defender o menor custo para a população.

Há barões da energia no Brasil. Um deles é o J&F, que comprou outras térmicas pelo Brasil, inclusive a de Candiota, à base de carvão, no Rio Grande do Sul. A pressão no Congresso é para renovar o subsídio a essa termelétrica, da mesma forma que foi feito com outra usina de carvão em Santa Catarina. Outro barão da energia é Carlos Suarez que comprou aquelas distribuidoras de gás em estados que não têm gás. Suarez é o S da antiga OAS. Tanta pressão ele fez que o Congresso colocou aquele jabuti na venda da Eletrobras, obrigando o país a construir gasodutos para viabilizar esse negócio. O candidato à presidência da Câmara Elmar Nascimento foi o grande defensor da proposta.

Isso também será pago pelo consumidor e dará lucros privados. Esses dois barões têm interesses conflitantes e o governo não deveria tomar o lado de nenhum dos dois. Ambos querem lucros privados às custas de prejuízo público.

— Os irmãos Batista compraram térmicas velhas já conectadas ao sistema elétrico como Araucária, Cuiabá, Uruguaiana e têm interesse que elas sejam contratadas. Suarez precisa de térmicas novas e gerando na base para a construção de gasodutos novos. Simplesmente, não dá para atender a nenhum dos dois. É muita térmica. E ainda tem no setor de gás a presença de Rubens Ometto e André Esteves — explica uma fonte do setor.

Quando a venda da Eletrobras foi desenhada no governo Temer, uma boa proposta foi a de que quem comprasse a estatal pagaria bônus ao consumidor por 20 anos, para reduzir a tarifa. O governo antecipou esse bônus para ser pago em dois anos. Isso derruba a tarifa agora, mas é como tomar emprestado do futuro. Por outro lado, tem também Itaipu. A hidrelétrica encerrou o pagamento da sua velha dívida, contraída para a construção, e dois terços do custo da energia da binacional eram derivados dos juros da dívida. Deveria então ter caído o preço.

— Estão mantendo o preço da energia e transformando Itaipu numa agência de fomento do Paraná, do Mato Grosso. É promotora de eventos. E de lá sairá R$ 1 bilhão para a COP. Virou um orçamento paralelo — diz uma fonte do setor.

No governo passado, houve a contratação de energia emergencial de térmicas a um preço alto. Essas empresas não conseguiram fornecer a tempo. Portanto, tinham que pagar multa, não? Pois é. Está sendo negociado um acordo que beneficia as empresas que não entregaram a energia no prazo estabelecido. Isso vai aumentar também a conta de luz. Retomar as obras de Angra 3 será outro custo alto.

— Terminar Angra é muito mais caro. Angra 3 deveria ser um custo afundado. Terminar essa obra custa três ou quatro vezes comprar a mesma energia de fonte renovável — diz uma fonte.

Tudo aumenta a conta de energia e piora o emaranhado de subsídios e lobbies no setor. O aumento do vale-gás será financiado por recursos da PPSA, empresa do pré-sal, sem passar pelo orçamento. Isso parece pedalada. Deveria ser evitado.

 

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