O Estado de S. Paulo
É quase inexistente hoje o pensamento sobre o
Brasil como país, e não como palco de disputas ideológicas e partidárias
“Tinha razão aquele velho brasileiro que,
escandalizado com a futilidade dos nossos debates políticos, lembrava a
conveniência de, ao lado do Congresso Nacional, organizar-se uma comissão
permanente de brasileiros de boa vontade, sem outra preocupação que a
prosperidade e a grandeza da Pátria, para o fim de estudar e resolver os
grandes problemas políticos de nossa terra. O Congresso ficaria para as
parolagens inúteis, para os bate-bocas apaixonados, para as exibições teatrais
(...).” Nada mais atual do que o comentário publicado no jornal O Estado de S.
Paulo em 23 de novembro de 1935.
Nos dias que correm, a divisão e a polarização da sociedade brasileira dificultam e influenciam a discussão e o debate sobre os múltiplos aspectos das questões nacionais. O foco de debate reproduzido pela mídia tradicional e pela mídia social reflete aspectos importantes da economia, da política, das questões sociais, das questões identitárias, as reformas estruturais, a relação entre Executivo, Legislativo e Judiciário, as questões ambientais e de mudança de clima, a violência e a corrupção. São raramente analisados os impactos relacionados com o cenário global (guerras, nacionalismo, protecionismo, geoeconomia e uso da força, inovação, inteligência artificial, entre outras) sobre a economia e a política nacionais.
Discute-se tudo, mas pouco ou quase nada
sobre o Brasil. É quase inexistente hoje o pensamento sobre o Brasil como país,
e não como palco de disputas ideológicas e partidárias. A ausência de
lideranças no governo, no Legislativo, no Judiciário, na classe política, nos
setores industriais e agrícolas contribui para a discussão fatiada, sem a
preocupação mais geral de pensar o Brasil em primeiro lugar, em um mundo em
grandes transformações, e sem reconhecer as mudanças ocorridas nas últimas
décadas no País e no seu entorno geográfico (América Latina e do Sul),
relevantes para uma análise objetiva. Está mudando a economia global, a ordem
internacional, a geopolítica, o meio ambiente e a mudança de clima, a inovação
tecnológica se acelerou e a inteligência artificial criou desafios na área
civil e militar, a geoeconomia e a segurança nacional são as forças do momento.
Qual o impacto dessas transformações sobre o Brasil? Quais as decisões
estratégicas, internas e externas, que terão de ser adotadas para o Brasil responder
a esses desafios?
Como tentar reduzir as vulnerabilidades e
aproveitar as oportunidades que se oferecem na nova ordem econômica e mundial?
Como enfrentar as novas e as tradicionais ameaças à soberania, ao
desenvolvimento e à segurança do País?
A radicalização da política interna, na minha
visão, torna difícil, neste momento, a discussão sobre um projeto para o
Brasil. Na impossibilidade de se chegar a um acordo em torno de um projeto
nacional por diferenças ideológicas e político-partidárias, torna-se necessário
preencher essa grave lacuna do ponto de vista estratégico. Não existe nenhum
documento oficial (e poucos de origem na academia) que pensem o Brasil no
contexto global e que tenha sido discutido com a sociedade civil.
Chegou a hora de começar a discutir o Brasil
e tentar colocar os interesses nacionais permanentes acima de visões setoriais,
como fazem todos os principais países do mundo, com uma visão de médio e longo
prazo. O documento Uma Estratégia para o Brasil – O Lugar do Brasil no Mundo,
preparado pelo Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior
(Irice), procura contribuir para um debate que está atrasado, mas que se faz
necessário (interessenacional.com.br). Não se trata de um documento elaborado a
partir das políticas do governo de turno nem com viés ideológico ou partidário.
Necessariamente genérico, sempre com uma visão estratégica e não conjuntural, o
trabalho trata dos objetivos nacionais, do lugar do Brasil no mundo, sinaliza
as prioridades e vulnerabilidades de uma potência de médio porte emergente que
tem um peso no cenário internacional como oitava economia global, com um
território continental e mais de 210 milhões de habitantes. O documento vai
além da Estratégia Nacional de Defesa e da Política Nacional de Defesa,
produzidos pelo Ministério da Defesa, que refletem posições nacionais, mas de
um ponto de vista setorial.
Durante o ano de 2025, serão promovidos
encontros virtuais e presencias para discutir o trabalho e suscitar o debate
sobre uma estratégia para o Brasil, do ponto de vista interno e externo, com
uma visão de médio e longo prazo. Com isso, se pretende começar a focalizar o
Brasil em primeiro lugar, em um novo mundo, em complemento ao debate interno
conjuntural de todos os problemas políticos, econômicos e sociais nacionais.
O Irice, com o apoio do Portal Interesse
Nacional, organizará uma série de encontros para sensibilizar a sociedade civil
para esse debate. Serão buscadas parcerias com as Comissões de Relações
Exteriores e de Defesa, da Câmara e do Senado, com os partidos políticos, com
instituições civis e militares, públicas ou privadas, empresariais e
acadêmicas, além de formadores de opinião na mídia social que possam se
interessar.
Vamos discutir o Brasil acima de interesses
ideológicos e partidários.
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