DEU EM O GLOBO
Desacreditada desde o início, a Conferência do Clima de Cancún trouxe avanços surpreendentes, segundo a pesquisadora Suzana Kahn Ribeiro, do painel da ONU para Mudanças Climáticas. O Brasil destacou-se entre os negociadores internacionais ao estabelecer uma meta quantitativa para corte de suas emissões de gases-estufa.
Cancún, novo fôlego para negociações do clima
Para Suzana Kahn, integrante de painel da ONU, Brasil firmou compromissos que o tornam exemplo internacional
Renato Grandelle
Para um encontro fadado ao fracasso, a Convenção das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-16), encerrada ontem em Cancún, surpreendeu. O encontro deu fôlego novo para o clima, tirando da letargia o difícil processo de negociação das Nações Unidas - onde a exigência de unanimidade freou os debates desencadeados no ano passado, em Copenhague. Ainda que tenha frustrado as esperanças do mundo inteiro, a conferência na Dinamarca foi fundamental para que, agora, os negociadores conseguissem tímidos avanços. Esta é a opinião de Suzana Kahn Ribeiro, professora de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ e integrante da diretoria do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que esteve em Cancún e, em entrevista ao O GLOBO, fez um balanço sobre as principais conquistas do evento - além de tecer elogios aos representantes brasileiros.
COPENHAGUE X CANCÚN: "O início da COP-16 foi marcado pela falta de esperança; em um cenário como este, o que acontecesse seria lucro. A conferência deste ano acabou mais produtiva do que o encontro realizado na Dinamarca, em dezembro passado. Ainda assim, as duas convenções estão completamente ligadas. Um dos maiores avanços que tivemos agora foi tornar oficial o Acordo de Copenhague, porque, na época em que ele foi feito, não era reconhecido como um documento oficial. Pelo contrário: no decorrer do ano, ele foi muito combatido, acusado de não ter sido fruto de um processo transparente. E reconhecer aquele Acordo foi um grande avanço, porque ele estabelece compromissos como evitar que a temperatura global aumente mais do que 2 graus Celsius; do contrário, as mudanças climáticas podem ser irreversíveis."
FUNDO VERDE: "Este foi outro tópico muito debatido em Copenhague, mas havia uma grande resistência dos países pobres de que a administração dos recursos (US$30 bilhões até 2012; depois, e até 2020, US$100 bilhões anuais) ficasse nas mãos do Banco Mundial. Trata-se de uma instituição em que eles não têm influência. Queriam, portanto, que o gerenciamento da verba coubesse à própria Conferência do Clima, mas ela ainda não tem estrutura para assumir este compromisso. Então, foi definido que, num primeiro momento, o Banco Mundial será responsável pelo dinheiro, e, depois, a COP criará um comitê, onde os países em desenvolvimento terão assento, para assumir esta verba."
REDD: "Não é possível construir uma casa sem ter suas fundações. Era isso o que acontecia com o REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, um fundo destinado à preservação de florestas tropicais): havia uma série de questões pendentes. Não se sabia que salvaguardas um país teria para manter a biodiversidade, qual é o montante de carbono que se tem em uma determinada área... Enfim, todos os aspectos técnicos avançaram e a regulamentação está concluída. De qualquer maneira, o Brasil não receberá dinheiro em um primeiro momento. O importante, agora, é destinar recursos para o monitoramento das florestas. Já fazemos isso, e de forma exemplar. Em Cancún, definimos o que é o REDD; falta saber como ele vai ser pago, e isso ficou para o ano que vem."
POSTURA DO BRASIL: "A ausência do presidente Lula foi compreensível, porque não havia outros líderes mundiais no encontro. Talvez tenha sido bom que os chefes de Estado ficassem longe de Cancún, porque todo o processo foi encaminhado por equipes técnicas, que discutem as questões climáticas durante o ano inteiro. A atuação brasileira foi muito positiva. Regulamentamos o decreto das mudanças climáticas, assinado no ano passado. Temos, agora, uma meta quantitativa de emissões: sabemos o número de toneladas de CO2 que vamos deixar de emitir nos próximos anos. E firmar este compromisso foi fundamental. O Brasil deu um sinal a outros países de sua disposição para combater as mudanças climáticas. No âmbito interno, este anúncio também é uma boa notícia, porque facilita o planejamento de diversos setores econômicos."
BALANÇO: "A presidente da COP, Patricia Espinoza (secretária de Relações Exteriores do México) teve desempenho exemplar. Certamente ela aprendeu muito ao observar a atuação desastrosa do primeiro-ministro dinamarquês, Lars Rasmussen, no ano passado. Copenhague foi marcada pela insatisfação gerada por documentos e rascunhos de acordos, que não se repetiram em Cancún. Também conseguiu-se evitar que fosse incluído, como parte do Fundo Verde, recursos já destinados atualmente por países desenvolvidos a nações pobres. Em vez de mais dinheiro, portanto, haveria apenas uma troca de rubrica de ajuda já existente. Mas existe uma certa frustração porque a velocidade das negociações é impressionantemente lenta e deslocada da urgência do assunto. Cito mais uma vez o Fundo Verde: em Copenhague, concordou-se sobre a sua necessidade; em Cancún, os países definiram quem vai gerar estes recursos. Só em Durban, na África do Sul, saberemos de onde virá este dinheiro. Enquanto isso, um acordo mais efetivo não é feito."
Desacreditada desde o início, a Conferência do Clima de Cancún trouxe avanços surpreendentes, segundo a pesquisadora Suzana Kahn Ribeiro, do painel da ONU para Mudanças Climáticas. O Brasil destacou-se entre os negociadores internacionais ao estabelecer uma meta quantitativa para corte de suas emissões de gases-estufa.
Cancún, novo fôlego para negociações do clima
Para Suzana Kahn, integrante de painel da ONU, Brasil firmou compromissos que o tornam exemplo internacional
Renato Grandelle
Para um encontro fadado ao fracasso, a Convenção das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-16), encerrada ontem em Cancún, surpreendeu. O encontro deu fôlego novo para o clima, tirando da letargia o difícil processo de negociação das Nações Unidas - onde a exigência de unanimidade freou os debates desencadeados no ano passado, em Copenhague. Ainda que tenha frustrado as esperanças do mundo inteiro, a conferência na Dinamarca foi fundamental para que, agora, os negociadores conseguissem tímidos avanços. Esta é a opinião de Suzana Kahn Ribeiro, professora de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ e integrante da diretoria do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que esteve em Cancún e, em entrevista ao O GLOBO, fez um balanço sobre as principais conquistas do evento - além de tecer elogios aos representantes brasileiros.
COPENHAGUE X CANCÚN: "O início da COP-16 foi marcado pela falta de esperança; em um cenário como este, o que acontecesse seria lucro. A conferência deste ano acabou mais produtiva do que o encontro realizado na Dinamarca, em dezembro passado. Ainda assim, as duas convenções estão completamente ligadas. Um dos maiores avanços que tivemos agora foi tornar oficial o Acordo de Copenhague, porque, na época em que ele foi feito, não era reconhecido como um documento oficial. Pelo contrário: no decorrer do ano, ele foi muito combatido, acusado de não ter sido fruto de um processo transparente. E reconhecer aquele Acordo foi um grande avanço, porque ele estabelece compromissos como evitar que a temperatura global aumente mais do que 2 graus Celsius; do contrário, as mudanças climáticas podem ser irreversíveis."
FUNDO VERDE: "Este foi outro tópico muito debatido em Copenhague, mas havia uma grande resistência dos países pobres de que a administração dos recursos (US$30 bilhões até 2012; depois, e até 2020, US$100 bilhões anuais) ficasse nas mãos do Banco Mundial. Trata-se de uma instituição em que eles não têm influência. Queriam, portanto, que o gerenciamento da verba coubesse à própria Conferência do Clima, mas ela ainda não tem estrutura para assumir este compromisso. Então, foi definido que, num primeiro momento, o Banco Mundial será responsável pelo dinheiro, e, depois, a COP criará um comitê, onde os países em desenvolvimento terão assento, para assumir esta verba."
REDD: "Não é possível construir uma casa sem ter suas fundações. Era isso o que acontecia com o REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, um fundo destinado à preservação de florestas tropicais): havia uma série de questões pendentes. Não se sabia que salvaguardas um país teria para manter a biodiversidade, qual é o montante de carbono que se tem em uma determinada área... Enfim, todos os aspectos técnicos avançaram e a regulamentação está concluída. De qualquer maneira, o Brasil não receberá dinheiro em um primeiro momento. O importante, agora, é destinar recursos para o monitoramento das florestas. Já fazemos isso, e de forma exemplar. Em Cancún, definimos o que é o REDD; falta saber como ele vai ser pago, e isso ficou para o ano que vem."
POSTURA DO BRASIL: "A ausência do presidente Lula foi compreensível, porque não havia outros líderes mundiais no encontro. Talvez tenha sido bom que os chefes de Estado ficassem longe de Cancún, porque todo o processo foi encaminhado por equipes técnicas, que discutem as questões climáticas durante o ano inteiro. A atuação brasileira foi muito positiva. Regulamentamos o decreto das mudanças climáticas, assinado no ano passado. Temos, agora, uma meta quantitativa de emissões: sabemos o número de toneladas de CO2 que vamos deixar de emitir nos próximos anos. E firmar este compromisso foi fundamental. O Brasil deu um sinal a outros países de sua disposição para combater as mudanças climáticas. No âmbito interno, este anúncio também é uma boa notícia, porque facilita o planejamento de diversos setores econômicos."
BALANÇO: "A presidente da COP, Patricia Espinoza (secretária de Relações Exteriores do México) teve desempenho exemplar. Certamente ela aprendeu muito ao observar a atuação desastrosa do primeiro-ministro dinamarquês, Lars Rasmussen, no ano passado. Copenhague foi marcada pela insatisfação gerada por documentos e rascunhos de acordos, que não se repetiram em Cancún. Também conseguiu-se evitar que fosse incluído, como parte do Fundo Verde, recursos já destinados atualmente por países desenvolvidos a nações pobres. Em vez de mais dinheiro, portanto, haveria apenas uma troca de rubrica de ajuda já existente. Mas existe uma certa frustração porque a velocidade das negociações é impressionantemente lenta e deslocada da urgência do assunto. Cito mais uma vez o Fundo Verde: em Copenhague, concordou-se sobre a sua necessidade; em Cancún, os países definiram quem vai gerar estes recursos. Só em Durban, na África do Sul, saberemos de onde virá este dinheiro. Enquanto isso, um acordo mais efetivo não é feito."
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