• Pela primeira vez, Executivo federal inclui desequilíbrio fiscal na proposta orçamentária de 2016 e resultado negativo deve ficar próximo de R$ 30 bi
Vera Rosa, Adriana Fernandes, Erich Decat e Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - O governo vai apresentar hoje ao Congresso uma proposta de Orçamento para 2016 com déficit primário da ordem de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), admitindo que gastará mais do que vai arrecadar, mesmo sem levar em conta despesas com pagamento de juros. Trata-se da primeira vez na história que o governo não consegue fechar as contas e entra no vermelho, prevendo desequilíbrio fiscal. O resultado negativo deve ficar próximo de R$ 30 bilhões.
O reconhecimento das dificuldades foi a forma encontrada pelo Palácio do Planalto para evitar “mascarar” o Orçamento, num momento de crise política e econômica, às vésperas de a presidente Dilma Rousseff enfrentar julgamento no Tribunal de Contas da União (TCU) por causa de manobras conhecidas como “pedaladas fiscais”.
Um dia após abandonar a ideia de recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), por não encontrar respaldo para o projeto nem no Congresso nem entre empresários, Dilma arbitrou a disputa interna no governo e decidiu escancarar os problemas.
Com a decisão, a meta de superávit primário de 2016, de 0,7% do PIB, será reduzida novamente e é possível que haja corte de programas sociais. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, chegou a manifestar preocupação com a exposição do rombo, por considerar que a medida embute um sinal negativo para o mercado e pode levar o Brasil a perder o grau de investimento, com severas consequências para a economia, que já está em recessão.
Transparência. Ao fim das discussões, porém, Levy acabou concordando com o núcleo político do Planalto. A estratégia do governo, ao deixar claro o vermelho, consiste em negociar com o Congresso. A ideia é que ou os parlamentares autorizam o aumento de receitas, com desonerações e até, mais adiante, com a volta da CPMF, ou o Executivo será obrigado a propor medidas mais duras, como a reforma da Previdência.
O vice-presidente Michel Temer conversou pela manhã com Levy, que o informou sobre as dificuldades de fechar o Orçamento. O ministro defendeu um corte adicional de R$ 15 bilhões, mas Dilma não aprovou.
“Sejam o mais transparente possível e revelem as condições das finanças ao País”, disse Temer.
“O Orçamento deve ser realista, para evitar perda de credibilidade.” Levy definiu como “muito prudentes” as observações de Temer. Mais tarde, a própria Dilma informou o vice de que os seus argumentos foram ouvidos. Em conversas reservadas, Levy afirmou que, embora haja risco de as expectativas piorarem em relação à política fiscal, a exposição do déficit diminui o desgaste com o Congresso e abre a discussão sobre a nova meta de superávit.
O TCU deve julgar em setembro as manobras fiscais levadas a cabo por Dilma para fechar o caixa, em seu primeiro mandato, atrasando repasses de recursos a bancos públicos. Se o tribunal condenar a prática e se rejeitar as contas de 2014 do governo, a presidente corre risco de sofrer processo de impeachment no Congresso. Além de conversar com Temer, Dilma também falou por telefone com aliados e pediu apoio à proposta. No fim da tarde, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa se reuniu com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para apresentar o projeto de lei.
A proposta orçamentária trará, ainda, elevações pontuais de receitas, com revisão de desonerações. Mesmo desistindo do “imposto do cheque”, o governo quer mostrar que também tem um programa fiscal de longo prazo para a Saúde e a Previdência.
O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), disse que Dilma agiu certo ao escancarar as dificuldades de caixa. “É melhor apresentar um Orçamento realista e buscar soluções conjuntas do que encaminhar uma proposta sem sustentação”, afirmou. “A partir daí, Congresso e Executivo podem buscar alternativas lá na frente para fechar esse buraco.”
Para o senador Romero Jucá (PMDB-RR), haveria “impacto maior no mercado se o governo tentasse tapar o sol com a peneira”.
Grande Berta. O governo desistiu de incluir a nova CPMF no Orçamento depois de forte reação negativa de empresários e políticos. A ideia inicial do Palácio do Planalto era ressuscitar o imposto do cheque com o nome de Contribuição Interfederativa da Saúde, mas, diante da crise política e econômica, o plano foi bombardeado até por aliados e por Temer.
Um integrante da equipe econômica admitiu ao Estado que houve uma "ilusão" no governo de que a CPMF poderia resolver o problema fiscal de 2016, como uma espécie de "Grande Berta", canhão produzido para a Primeira Guerra Mundial, que disparava munições de até 830 quilos de peso, a uma distância de12 quilômetros. Era uma "colossal" peça de artilharia com capacidade para destruir as fortificações francesas, mas que pesava 70 toneladas e era muito difícil de ser transportado, o que limitava bastante sua eficácia.
No Ministério da Fazenda há preocupação com o risco de uma nova sinalização de déficit primário nas contas do governo em 2016. Em 2014, as contas fecharam no vermelho e não está descartado um novo déficit esse ano diante do rombo já anunciado nos sete primeiros meses do ano. Quando o governo reduziu a meta de superávit primário de 2015 de 1,1% do Produto Interno Bruto para 0,15% do PIB, foi introduzida uma regra de abatimento que permite que as contas fechem o ano deficitárias.
A avaliação é de que a proposta de Orçamento terá que ser reformulada pelo Congresso Nacional em conjunto com a "Agenda Brasil", lançada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que contou com apoio de Levy. A Fazenda avalia que, desta vez, o papel do Congresso será determinante para a "construção" do equilíbrio fiscal. "O Congresso vai ter de acertar o Orçamento nos próximos quatro meses", disse ao Estado um integrante da equipe econômica. / Colaborou Lorenna Rodrigues
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