Financiamentos no valor de R$ 3,5 milhões foram feitos pelo departamento de propinas da empreiteira
Guilherme Amado - O Globo
A Construtora Norberto Odebrecht fez dois empréstimos para a Editora Confiança, responsável pela revista “Carta Capital”, no valor total de R$ 3,5 milhões, entre 2007 e 2009, a pedido do então ministro da Fazenda, Guido Mantega. A operação foi feita pelo Setor de Operações Estruturadas, o departamento da empreiteira que geria as propinas pagas. As informações constam de um dos anexos da delação premiada do executivo Paulo Cesena, que presidia até o mês passado a Odebrecht Transport, mas foi, antes disso, diretor financeiro da construtora.
Cerca de 85% do empréstimo já teriam sido quitados pela editora, de acordo com Cesena, por meio de eventos que tiveram o patrocínio da Odebrecht.
Cesena disse que recebeu a ordem de fazer um aporte de recursos para a Editora Confiança, em 2007, diretamente de Marcelo Odebrecht, então presidente da holding e atualmente preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba e também delator da Lava-Jato
“Marcelo Odebrecht me chamou para uma reunião em sua sala, no escritório em São Paulo, e me informou que a companhia faria um aporte de recursos para apoiar financeiramente a revista ‘Carta Capital’, a qual passava por dificuldades financeiras. Marcelo me narrou que esse apoio era um pedido de Guido Mantega, então ministro da Fazenda”, afirmou Cesena à Lava-Jato.
Em seguida, o delator disse ter entendido que se tratava de algo de interesse do PT.
“Entendi que esse aporte financeiro tinha por finalidade atender a uma solicitação do governo federal/Partido dos Trabalhadores, pois essa revista era editada por pessoas ligadas ao partido”, afirmou.
Marcelo Odebrecht também pediu a Cesena que contribuísse com a revista para que eles organizassem suas finanças e concebessem um plano de negócios sustentável. Marcelo temia que pudessem vir novos pedidos de dinheiro.
O presidente da holding teria orientado Cesena a procurar o jornalista Mino Carta, diretor de redação da publicação, e o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, consultor editorial da “Carta”, para que fosse negociado o apoio financeiro.
A primeira reunião, no segundo semestre de 2007, ocorreu na sede da editora, na capital paulista. Cesena disse terem participado do encontro Mino Carta, Belluzzo e a diretora administrativa da editora, Manuela Carta. Nessa conversa, Cesena afirmou terem sido mencionados apenas pontos relacionados ao plano de negócios da revista e iniciativas para aumentar as vendas.
Nos encontros posteriores, apenas com Manuela, Cesena comunicou-lhe que o empréstimo seria de R$ 3 milhões, por meio de um mútuo (empréstimo feito entre duas pessoas jurídicas), a ser pago em três anos, e que seriam cobrados juros à taxa de Certificado de Depósito Interbancário (CDI), acrescidos de 2% ao ano.
Cesena afirmou que a operação foi feita por meio do Setor de Operações Estruturadas, comandado por Hilberto Mascarenhas Alves da Silva Filho, também delator na Lava-Jato. Embora tenha afirmado que não saberia detalhar, Cesena disse ter a informação de que “a operação e o pagamento à ‘Carta Capital’ se deu na forma de mútuo oriundo do caixa dois da Construtora Norberto Odebrecht”.
O segundo empréstimo teria ocorrido em 2009, solicitado por Belluzzo, desta vez no valor de R$ 500 mil. Novamente, após receber autorização de Marcelo Odebrecht, o apoio financeiro foi feito por meio do departamento da propina.
A Editora Confiança já teria honrado R$ 3 milhões da dívida, por meio de patrocínios que a Odebrecht deu a eventos da “Carta Capital” de 2010 a 2012.
“Em uma das reuniões que tive com Manuela Carta, a mesma apresentou-me o planejamento de eventos que a editora iria promover e questionou-me acerca do interesse em patrociná-los e que usaria esses recursos para amortizar o mútuo”.
Entre as provas, Cesena entregou e-mails, planilhas demonstrando a alocação de recursos e notas fiscais mostrando o patrocínio aos eventos da “Carta”.
Manuela Carta diz que o delator se expressou mal e que não houve empréstimo, mas um acordo de publicidade que previa um adiantamento de verbas. Segundo ela, tudo já foi quitado, com páginas de publicidade e o patrocínio da Odebrecht a eventos. Ela citou o apoio da empreiteira aos encontros chamados “Diálogos Capitais” e “Fórum Brasil”, e a um encontro com a presença do economista Paul Krugman.
— Temos tudo contabilizado — disse Manuela.
Belluzzo diz que procurou Marcelo Odebrecht e que foi firmado um acordo financeiro:
— Estávamos numa situação difícil e fizemos um mútuo que carregamos no nosso balanço por muito tempo, porque a revista estava precisando de financiamento. Está tudo no balanço da empresa, não tem nada escondido — disse ele.
Depois, segundo ele, foi negociado que o pagamento seria feito por meio de páginas de publicidade na revista. Manuela e Beluzzo negam a participação de Mantega na operação e dizem que não sabiam que o dinheiro havia saído do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht. (Colaborou Marco Grillo)
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