Líder da Velha Guarda da Portela e personagem único da escola teve oito décadas de dedicação à música
João
Máximo / O Globo
Monarco
nasceu, cresceu e passou toda a vida no meio do samba. De menino a desfilar no
bloco Primavera a “puxador de corda”, figurante, compositor, cantor, diretor de
harmonia, agregador e personagem único na história da Portela, a mais vitoriosa
das escolas cariocas, foram oito décadas de íntima, constante e apaixonada
dedicação ao samba.
Nascido
no subúrbio de Cavalcanti, em 17 de agosto de 1933, ganhou em criança o apelido
que o acompanharia por toda a vida. Passou parte da infância em Nova Iguaçu e
mudou-se para Oswaldo Cruz, onde, atraído pelo samba, descobriu a Portela.
Tinha então 16 anos. Embora seu primeiro samba tenha sido feito aos 12, só
então sua carreira de compositor começou. Segundo dizia, guiado pela arte da
ala dos compositores, à frente da qual brilhava Paulo da Portela.
Paulo
foi o primeiro ídolo de Monarco. Mas o convívio entre os dois durou pouco, pois
Paulo trocou a Portela pela Lira do Amor, de Bento Ribeiro, inconformado com a
atitude do portelense Manuel Bambambã ao proibir que dois ilustres
mangueirenses, Cartola e Heitor dos Prazeres, visitassem a Portela.
Com
isso, o samba que Monarco queria ter feito com Paulo da Portela não aconteceu.
Ou melhor, aconteceu pela metade. E postumamente. Para uma primeira parte em
que Paulo falava de uma macarronada na casa de um certo Chocolate, Monarco fez
a segunda: “... o pessoal da Portela vai cantar partido-alto/vai ter pagode até
o dia amanhecer/e os versos de improviso/serão em homenagem a você”. Você, no
caso, Chocolate.
O samba só seria gravado, pelo próprio Monarco, em 1976, quando o futuro líder da Velha Guarda dava início, com um atraso reclamado por críticos e historiadores da música popular, sua vida profissional. O samba passava então por um dos muitos renascimentos que se seguiram a cada uma das mortes proclamadas em nome da moda do momento.
Até
então, e desde que se mudara para Oswaldo Cruz, Monarco vivera de várias
ocupações: camelô, feirante, vendedor de peixe, guardador de carro, funcionário
faz-tudo da Associação Brasileira de Imprensa, onde escovou muita mesa de
bilhar para Villa-Lobos jogar. E onde surpreendeu o presidente Herbert Moses
que, ao sair do elevedor ao lado de visitantes de cerimônia, deparou-se com
Monarco sambando... com uma vassoura.
Monarco
sempre gostou de contar histórias como estas, vividas longe do samba. Fazia-o,
porém, de modo só seu: ilustrando cada episódio com um samba que ele mesmo
cantava com voz inconfundível. Voz que o jornalista Juarez Barroso, um dos
primeiros a escrever sobre as qualidades do guardador de carros do jornal onde
trabalhava, definiu como “ampla, áspera, ágil, de extrovertido lamento”, ao que
se pode acrescentar que era uma voz densa, sem enfeites, dos melhores cantores
negros, sobretudo do samba.
Monarco
sabia usar com perfeição seu timbre e sua emissão, embora fizesse tudo
espontaneamente, sem adornos técnicos. Em primeiro lugar, cantando seus
próprios sambas. Em segundo –– e é pena que não o tenha gravado em disco ––
interpretando obras de outros sambistas, perfeitas para seu modo de cantar. Foi
ele o primeiro e até agora único a se dedicar à obra de Noel Rosa com os
impropriamente chamados “compositores do morro” (Canuto, Manuel Ferreira,
Ernani Silva, Lauro dos Santos, Zé Pretinho), nas primeiras parcerias
inter-raciais da história do samba. Ismael Silva e Cartola também fazem parte
desse grupo de parceiros de Noel, mas não precisaram de Monarco para serem
revividos.
Na
Portela, sempre teve posição de destaque. A escola jamais desfilou com
samba-enredo seu. Não que ele não tentasse. Chegou a mudar-se para a Unidos do
Jacarezinho, inconformado por ter seu samba arbitrariamente excluído da disputa
para o carnaval de 1967. Mas logo voltou à Portela, onde vários outros sambas
seus foram sucessos de quadra, de meio de ano, de ensaios ou mesmo de
“esquenta”, como “Passado de glória”, cantado pela escola na área de
concentração, minutos antes do desfile: “Teu livro tem tanta página bela/Se eu
for falar da Portela, hoje não vou terminar”.
Seu
primeiro samba a sair do ineditismo, “Vida de rainha”, gravado em 1956 por
Risadinha, tinha primeira parte de Alvaiade e segundo dele, Monarco: “Eu não
guardo ódio ou rancor/Só porque nosso amor chegou ao fim/Foi melhor assim.” E
seu último disco, “Monarco de todos os tempos”, foi lançado 2018. Segundo o
próprio Monarco, “feito num mar de alegrias”, nem por isso deixa de falar de
amor que não deu certo, dos temas favoritos do compositor: “A chama do nosso
amor, em meu peito já não arde”, diz um dos inéditos do repertório, música e
letra de Monarco. O arranjador do disco e parceiro em seis sambas é o filho
Mauro Diniz, também compositor e companheiro musical do pai por mais de 40
anos: “Mauro sabe para onde eu vou, conhece os caminhos, descobre o acorde certo,
é mais que um parceiro”.
O
cantor e o compositor também se destacou como líder. Em especial, da Velha
Guarda. Pouco a pouco, os primeiros integrantes do grupo foram desaparecendo.
Monarco ficou por último para lembrar que mal tinha chegado aos 40 quando
percebeu que a idade realmente pesava na aceitação do sambista pelo pessoal
mais jovem da escola. Foi então que juntou seu talento e sua energia a figuras
lendárias de sua escola –– Manacéia, Mijinha, Lonato, Ventura, Chico Santana,
Casquinha, Alvaiade, Picolino, Argemiro, Colombo, Rufino, Candinho, Waldir 59
–– para com eles criar as raízes do que seria a Velha Guarda da Portela. Ao
mesmo tempo, fez-se amigo e, algumas vezes, parceiro de gente mais moça, como
Wilson Moreira e Paulinho da Viola, este, materializador e padrinho da guarda
que mantinha firme e atuante o velho sambista.
Este líder –– inteligente, elegante, querido por todos –– acabou se tornando exemplo. Todas as grandes escolas de samba da cidade em que Monarco viveu têm hoje a sua Velha Guarda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário