Folha de S. Paulo
Moraes é quem as instituições designaram
contra golpismo de Bolsonaro
Não há dúvida de que, sem a atuação do STF,
o golpe talvez vencesse.
Ao contrário do que dizem os
bolsonaristas, Alexandre de
Moraes não é um ditador. Ele é só o sujeito que as instituições
brasileiras designaram para conduzir a briga contra o golpismo de Jair
Bolsonaro.
Moraes foi designado para esse papel por
seus colegas de STF, que sempre ratificaram suas decisões. O STF, por sua vez,
agiu por obrigação constitucional e clara delegação do Congresso
Nacional.
Os congressistas brasileiros poderiam ter limitado os poderes de Moraes, inclusive mudando a Constituição; Bolsonaro tentou fazer isso várias vezes, sem nenhum sucesso.
Os congressistas, inclusive, superaram seu
tradicional corporativismo para manter
a prisão do deputado Daniel Silveira, que gravou vídeo narrando suas
fantasias violentas com ministros da suprema corte. Em um caso específico, o
presidente do Senado preferiu deixar que o
STF ordenasse a abertura da CPI da pandemia, para a qual já estavam
reunidos todos os requisitos legais, apenas para jogar para cima do STF a
responsabilidade de brigar com Bolsonaro.
É fácil entender por que o Congresso,
durante a legislatura mais conservadora já vista até então, fez isso.
Nos últimos anos, o Congresso continuou
negociando cargos e verbas com Jair Bolsonaro, culminando no escândalo do
orçamento secreto. Mas todos sempre souberam que Jair era golpista. E todos
sempre souberam que, se o golpe desse certo, ser deputado ou senador deixaria
de ter qualquer valor. A solução encontrada pelos parlamentares foi terceirizar
para o STF o combate contra o golpe enquanto continuavam negociando verbas e
cargos com Jair.
E não há dúvida de que, sem a atuação do
STF, o golpe
talvez vencesse. O ódio dos bolsonaristas se explica por isso: se
tivesse tido um pouco mais de chance de mentir, um pouco mais de chance de
colocar a polícia rodoviária para tentar impedir pobre de votar, um pouco mais
de dinheiro de empresário golpista que ficou com medo de ser preso, talvez o
golpe tivesse dado certo.
Isso quer dizer que "as instituições
funcionaram"? Pelo amor de Deus, não.
Metade do trabalho feito por Moraes e pelo
STF deveria ter sido feito pelo procurador-geral
da República. Se o Congresso, ao invés de terceirizar suas funções
para o STF, tivesse feito o impeachment de Bolsonaro, o Brasil teria tido um
presidente durante a pandemia disposto a comprar vacinas. Se as Forças Armadas
tivessem, desde o início, deixado claro que fuzilariam qualquer um que tentasse
um golpe, ninguém teria medo de colocar Mourão na Presidência. E, ao longo de
quase todo esse tempo, o establishment mentiu para o público, dia após dia, que
Jair não era golpista.
É legítimo discordar das decisões de
Moraes. Na semana passada, enquanto me preparava para discutir o assunto
com o jornalista Glenn Greenwald, conversei com alguns professores
brilhantes que discordam, como Luciano da Ros, da UFSC, e Diego Werneck, do
Insper.
Os dois, entretanto, concordam
enfaticamente que o golpismo de Bolsonaro sempre foi incomparavelmente mais
perigoso para a democracia do que qualquer erro que Moraes possa ter cometido.
E para quem duvida que a urgência
justificava algumas das decisões de Moraes, acrescento: com base no precedente,
ou você pune golpe de Estado enquanto ainda é tentativa, ou leva 50 anos para
fazer comissão da verdade.
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