O Brasil é mais conservador do que muitos gostariam
O Globo
Tentar ‘consertar’ a sociedade sem levar em
conta seus sentimentos pode ter consequências dramáticas
Que o Brasil é plural se tornou consenso.
Poucos parecem, porém, atentar para as consequências práticas — e políticas —
dele. Uma pesquisa da Quaest, que ouviu 2.016 brasileiros e cujos resultados
foram antecipados pelo GLOBO, dá uma ideia do fosso que separa a população em
temas que aqueles com maior renda ou melhor formação tendem a considerar
“resolvidos” ou “pontos pacíficos numa democracia moderna”.
Para espanto deles, nada menos que 56% dos pais brasileiros consideram normal que crianças que passam dos limites apanhem (42% discordam). Na opinião de 41%, a escola não é local apropriado para debater sexualidade com adolescentes (56% acham que é). Gays e lésbicas se beijando em público incomodam 46% (48% não veem problema). Para 73%, o aborto não deveria ser legal. E 67% são contra a legalização de cassinos e jogos de apostas.
É um equívoco imaginar que a visão
conservadora está restrita à direita. Ainda que os percentuais sejam mais
elevados entre eleitores de Jair Bolsonaro, eles não estão tão distantes dos
manifestados pelos de Luiz Inácio Lula da Silva. No caso do castigo físico às
crianças, apenas nove pontos percentuais. Na repulsa ao beijo gay, no repúdio à
legalização do aborto e no debate escolar sobre sexualidade, a diferença gira
em torno de 20 pontos.
Prova de que o conservadorismo não tem
coerência ideológica é a resposta similar, por vezes idêntica, noutros temas
polarizadores. É o caso da reprovação aos cassinos, que aglutina 67% dos
lulistas e 68% dos bolsonaristas. E não só. Para 92% dos brasileiros —
percentual idêntico entre eleitores de Lula e Bolsonaro —, é preciso haver mais
fiscalização para impedir o desmatamento da Amazônia. Também para 92% — 90% dos
lulistas e 95% dos bolsonaristas —, pagamos impostos demais. Na opinião de 64%
— 68% dos bolsonaristas e 60% dos lulistas —, políticos não deveriam ocupar cargos
nas estatais. E, segundo responderam 58% — em percentuais idênticos nos dois
grupos —, as mulheres não têm mais dificuldade para alcançar o sucesso
profissional.
Concordâncias e divergências são esperadas
em grandes populações. Não se podem definir mais de 208 milhões por alguns
clichês, nem se deve enxergá-los apenas através das lentes de minorias que se
consideram referência, quase sempre ignorando o que se passa ao redor. Os
riscos dessa atitude — altaneira para uns, arrogante para outros — ficaram
claros nos últimos anos.
Erupções sociais ou movimentos de revolta
surgem sem aviso prévio. Foi assim em 2013, quando a fagulha do aumento na
tarifa de ônibus em São Paulo levou milhões de jovens às ruas, numa reação que
não estava no radar de partidos, sindicatos, academia ou imprensa. A pauta
difusa de reivindicações parecia menos importante que o impulso de ir às ruas
para protestar. Partiu daquele movimento descoordenado a sucessão de
mobilizações contra a corrupção, em favor do impeachment de Dilma Rousseff e a
favor da eleição de Bolsonaro, quando ainda era um deputado do baixo clero.
Para todos os que lidam com o público — não
apenas políticos —, ignorar ou desafiar o sentimento predominante na população
em nome de crenças ideológicas ou de alguma pretensa missão civilizatória é um
erro que pode trazer consequências dramáticas. O certo é aprender a conviver
com as diferenças e a respeitar opiniões contrárias, como em toda sociedade
civilizada.
Regime de MEIs precisa de avaliação
criteriosa antes de qualquer expansão
O Globo
Quem mais se beneficia não é a base da
pirâmide, mas a população de escolaridade e renda mais altas
Criado para acelerar a formalização de
empreendedores de baixa renda e escolaridade, o regime tributário do
Microempreendedor Individual (MEI) passou por tamanha expansão que hoje quase
15 milhões, ou 15% da população ocupada, estão registrados nele. O Projeto de
Lei Complementar (PLP) 108/2021 prevê ampliar ainda mais o alcance do programa.
Um estudo recente do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio
Vargas (Ibre-FGV) mostra que seria o caminho errado a seguir.
De acordo com a pesquisa, quem mais tem se
beneficiado não são os empreendedores da base da pirâmide, mas profissionais
com formação e renda muito além das concebidas como alvo do programa. Entre os
MEIs em dia com as contribuições previdenciárias, 31% têm ensino superior
completo, mais que o dobro do percentual entre trabalhadores informais (12,7%),
mais até mesmo que o observado no conjunto dos formais (22,4%). Mais: 56,4% dos
MEIs ganham mais que dois salários mínimos. Entre os informais, apenas 15,6%
têm renda similar.
É possível argumentar que, mesmo não
atendendo os mais pobres, o programa tem papel social relevante. Tal argumento
padece de vários problemas. O primeiro é achar que programas podem continuar
funcionando ao longo de anos anos sem ser submetidos a avaliação criteriosa. O
segundo é acreditar que o Estado dispõe de recursos infinitos para gastar em
subsídios. O terceiro (e maior) problema é não reconhecer a gravidade de os
mais vulneráveis continuarem desassistidos.
O MEI é um programa caro para a sociedade.
Para participar, o empresário por conta própria, com no máximo um empregado e
receita anual de até R$ 81 mil, só precisa de um CNPJ. Pagando contribuição
previdenciária de apenas R$ 66, passa a ter direito de se aposentar pelas
regras do INSS com um salário mínimo e de acessar benefícios como
auxílio-doença. Se o MEI não contasse com subsídios, o valor da contribuição
deveria ser, no mínimo, 24% maior. A diferença nessa conta quem banca são os
demais contribuintes.
Diante dos fatos, era esperado que o
Congresso já tivesse proposto mudanças para ajustar o foco e atender os mais
necessitados. Não foi o que pensou o senador Jayme Campos (União-MT), autor do
PLP 108/2021, aprovado no Senado e atualmente na Câmara. O projeto vai na
direção contrária à desejável. Propõe aumentar para R$ 130 mil a receita anual
e para dois o número de funcionários contratados.
Tal ideia não faz sentido. “Num momento histórico que combina fragilidade estrutural das contas públicas e urgência de apoio do governo à população mais vulnerável, o uso eficiente de recursos públicos torna-se mais essencial do que nunca”, escreveu o economista Luiz Schymura no Valor Econômico. “A discussão correta não é sobre a ampliação do MEI, um programa bem-intencionado, porém crivado de problemas, mas sim sobre o seu reexame e reformulação.” O governo federal, que se autointitula responsável fiscal e socialmente, deveria usar sua base no Congresso para barrar o PLP 108/2021.
Envelheceu mal
Folha de S. Paulo
PT, aos 43, repisa teses derrotadas e nega
fatos desabonadores de sua trajetória
O passado atormenta o Partido dos
Trabalhadores, como a um indivíduo incapaz de resolver as suas neuroses e olhar
para a frente.
Na semana em que comemorou os 43 anos de
fundação, o diretório nacional da agremiação divulgou uma
resolução em que reitera o seu apego a teses derrotadas pela história e
insiste em não chamar pelo nome os fatos desabonadores da trajetória petista.
Na fabulosa narrativa, as acusações contra
gestões do PT não passaram de torpe tentativa de criminalizar a política. Pouco
importa estarem fartamente documentados o mensalão e o assalto à Petrobras,
para citar os escândalos que não desaparecerão por causa dos erros e abusos da
Lava Jato e do ex-juiz Sergio Moro.
O manifesto chama de golpe a deposição da
presidente Dilma Rousseff, o que tampouco resiste ao confronto com a realidade.
A denúncia foi aceita pela Câmara, com voto de 72% dos deputados, e o processo
correu sob a direção do presidente do Supremo Tribunal Federal no Senado, onde
75% decidiram pela cassação.
Considerar ruptura constitucional esse ato
juridicamente perfeito é trafegar na mesma frequência de quem contesta os
resultados das urnas de 2022. Trata-se, ademais, de péssima estratégia para
quem necessita, a fim de cumprir promessas de campanha, de aliados que apoiaram
o impeachment.
Se a falsificação da história cobra seus
maiores custos do próprio PT, o apego a
doutrinas empoeiradas na economia ameaça a renda e o emprego de dezenas de
milhões de brasileiros.
A sigla, vê-se na resolução de aniversário,
continua devota de que alguns iluminados em posições de Estado terão o condão
de fazer deslanchar o desenvolvimento. Bastaria manipularem na direção que
consideram correta os juros, o câmbio, os impostos, o gasto público e as
decisões empresariais ditas "estratégicas".
Em nome dessa quimera, o partido agora
investe contra a autonomia do Banco Central, a privatização da Eletrobras, a
Lei das Estatais e a contenção do BNDES, iniciativas tomadas para evitar a
repetição dos abusos que engendraram o descalabro recessivo de 2014-16.
A agremiação que corretamente louva a
moderação exercida pela institucionalidade nos apetites autoritários do
bolsonarismo se contradiz ao imprecar contra mecanismos que procuram evitar os
danos do exercício ilimitado do poder.
Em vez de preocupar-se com os determinantes
do enriquecimento e do bem-estar dos povos —assentados na produtividade do
trabalho, estagnada no Brasil—, o PT continua a vender atalhos e feitiçarias
que só produzem ruínas.
Envelheceu mal.
Ciência de impacto
Folha de S. Paulo
Reajuste em bolsas de pós-graduação é
correto, mas gestão deve ser eficiente
Cursar uma pós-graduação no Brasil é
decerto tarefa árdua. Bolsistas só podem ter vínculo empregatício se a
contratação ocorrer após a concessão da bolsa, se o trabalho estiver
relacionado com a pesquisa, se o orientador autorizar e se a remuneração não
for superior ao valor pago pelo governo.
A bolsa, assim, acaba funcionando como
salário para uma atividade de dedicação exclusiva. Nesse sentido, o reajuste de
40% para mestrado e doutorado e de 27% para pós-doutorado, anunciado
pelo governo federal na quinta (16), é bem-vindo. Os valores não eram
reajustados desde 2013.
O IPCA, índice utilizado como referência
para as metas de inflação do Banco Central, mostrou variação de quase 70% de
2014 a 2022.
No mestrado, o pagamento passará de R$
1.500 para R$ 2.100 mensais, e no doutorado, de R$ 2.200 para R$ 3.100. Já
pesquisadores no pós-doutorado receberão R$ 5.200 — antes eram R$ 4.100.
A perda de valor real da remuneração foi
acompanhada de aumento no número de bolsas: em 2010, eram cerca de 55 mil;
atualmente, são 99 mil. Ademais, a pós-graduação brasileira cresceu 48,6% na
última década, de 3.128 programas em 2011 para 4.650, em 2020.
A quantidade de artigos publicados
acompanhou esse investimento. Em 1998, foram 11.839
textos, o que colocava o país em 20º lugar no ranking global dos
que mais publicam. Vinte anos depois, com a produção crescendo sete vezes, o Brasil
saltou para 13º.
O problema é que não basta formar mestres e
doutores e publicar. As pesquisas realizadas devem fornecer contribuições
sólidas para o campo científico, e o melhor modo
de aferir tal contribuição é a partir da análise do impacto da produção —o
número de vezes em que cada artigo foi citado por outros cientistas ou
estudiosos.
Nesse ponto, nossos resultados não chegam a
ser animadores. A base de dados Scimago mede esse efeito aferindo o número 1 à
média mundial. Entre 2016 e 2020, o Brasil obteve 0,87, enquanto os EUA tiveram
1,58. Ficamos atrás até mesmo de vizinhos como Chile (1,18), Argentina (1) e
Peru (0,96).
A importância do investimento em educação e ciência é inegável para o desenvolvimento de qualquer país. Mas o Brasil ainda precisa alocar recursos escassos de forma mais racional e eficiente. O aumento do gasto no setor deve ser visto como um meio, não como um fim em si mesmo.
A defesa da democracia dentro da lei
O Estado de S. Paulo.
Atos do 8 de Janeiro trazem problemas
inéditos para a Justiça. É preciso cuidado na apuração de responsabilidades e
no uso das medidas cautelares. Sem impunidade e sem linchamento
Os atos antidemocráticos do 8 de Janeiro
trazem especiais desafios para o sistema de Justiça penal. A gravidade dos
ataques às sedes dos Três Poderes exige uma resposta efetiva, sem impunidades,
e dentro da lei, sem atuações extralegais que, além de suscitarem nulidades,
poderiam transformar os responsáveis por esses atos em vítimas do sistema
penal. Nesse caso, em vez de prover uma solução, a Justiça estaria agravando o
problema.
Expor no papel essas duas exigências –
efetividade e aderência à lei – não é difícil. Outra coisa, muito diferente, é
conseguir implementá-las na prática, num caso que envolve milhares de pessoas,
tipos penais novos e uma imensa pressão popular. A aumentar o desafio, os
procedimentos relativos aos ataques estão sob jurisdição do Supremo Tribunal
Federal (STF), que não está estruturado para processar esse tipo de caso.
Trata-se de uma Corte constitucional, não de uma vara criminal.
“Não há maneira de proteger o Estado
Democrático de Direito que não seja por meio do Estado Democrático de Direito”,
disse o professor Carlos Japiassú, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), em recente evento acadêmico no Instituto dos Advogados de São Paulo
(Iasp) para debater qual deve ser a resposta do Estado aos atos
antidemocráticos.
Na apuração e punição das
responsabilidades, disse Japiassú, o único caminho é respeitar as garantias
constitucionais e o devido processo legal. “É preciso ter cautela, sob pena de
haver soluções inadequadas que, mais adiante, (...) possam atingir todos os
demais.”
A respeito do crime de tentativa de golpe
de Estado (art. 359-M do Código Penal), o professor Japiassú observou que as
duas únicas maneiras democráticas para retirar um governo legítimo é “pelo
voto, nas eleições, ou pelo processo de impeachment”. Fora daí, disse ele,
“qualquer tentativa dessa natureza, por intermédio da violência ou da grave
ameaça, constitui crime”. Nessa verificação, é preciso cuidado ao discernir
quais condutas constituem efetivamente uma tentativa de golpe de Estado, respeitando
sempre o princípio da legalidade. Não há crime sem lei anterior que o defina,
diz a Constituição.
Outro assunto debatido foi o uso das
medidas cautelares processuais – em concreto, das prisões preventivas – para
fins de segurança pública. O professor Gustavo Badaró, da Universidade de São
Paulo (USP), lembrou que essas medidas são delimitadas em lei. No entanto, está
havendo um uso “de algo que é excepcional (...) de forma ampliativa, e não de
forma restritiva”.
Como defesa da liberdade, a legislação privilegia
as medidas cautelares diferentes da prisão, como a proibição de ir a
determinados lugares. Segundo a advogada Marina Coelho Araújo, elas têm se
mostrado efetivas em muitos casos. “É preciso ter critérios para avaliar a
proporcionalidade e a legitimidade dessas medidas”, disse a advogada.
Flávia Rahal, outra advogada, defendeu a
atuação do STF. “O Supremo tinha que agir com muita rapidez naquele momento.
(...) O fortalecimento da democracia também se mostra pelo respeito à lei e
pelo respeito às instituições”, declarou. Ela ressaltou, no entanto, que isso
não significa abandonar as garantias constitucionais e processuais. Comentou,
por exemplo, o modo como as audiências de custódia foram realizadas. Houve uma
divisão de funções, que excluiu uma das principais finalidades da audiência:
avaliar, a partir das circunstâncias concretas da pessoa, a necessidade da
prisão.
Ao longo do evento, houve o reconhecimento
de que as circunstâncias são excepcionais e que inexiste um caminho ideal,
perfeito. Por isso, é preciso ser especialmente criterioso, respeitando os
direitos fundamentais. Mencionando o Paradoxo da Tolerância, de Karl Popper,
que trata dos efeitos e limites da tolerância com os intolerantes, o professor
Gustavo Badaró comentou que até os intolerantes “têm o direito de serem
considerados intolerantes somente depois do devido processo legal”.
Mais incertezas, agora no crédito
O Estado de S. Paulo.
A possibilidade de desaceleração mais
intensa no crédito foi citada nas reuniões entre economistas e o BC há alguns
dias, o que pode comprometer ainda mais o crescimento do PIB
O Índice de Atividade do Banco Central
(IBC-Br) mostrou a falta de fôlego da economia no encerramento do ano, em queda
de 1,46% no último trimestre em relação aos três meses anteriores. Considerado
uma prévia do Produto Interno Bruto (PIB), o indicador confirmou a tendência de
desaceleração que já vinha sendo observada desde a virada do primeiro para o
segundo semestre do ano passado e deu razão às expectativas modestas sobre o
desempenho da economia em 2023. Mesmo com a Selic elevada, com efeitos mais
relevantes em setores como indústria e comércio, o IBC-Br apontou que o PIB
encerrou o ano com alta de 2,6%. E a concessão de crédito, que avançou 10,4%
ante 2021, teve uma contribuição inegável para o desempenho da economia.
Foi por essa razão, mas por motivos
opostos, que o comportamento do crédito foi mencionado nas reuniões trimestrais
entre economistas e o Banco Central há alguns dias. Os bancos já vinham
sinalizando mais cautela na concessão de crédito, e a percepção de que a
desaceleração tende a ser mais intensa do que o esperado foi reforçada após o
BC ter deixado clara a disposição de manter a Selic elevada por mais tempo. Com
base nesse cenário, a consultoria Tendências projetou uma queda real de 2,8% na
concessão de crédito neste ano em relação a 2022 – recuo de 0,3% para pessoas
físicas e de 5,8% para empresas. Já a LCA Consultores reconheceu que uma crise
de crédito pode comprometer ainda mais o já cambaleante crescimento econômico.
É bem verdade que o cenário, na área de
crédito, já não era muito favorável. A inadimplência atingiu 65,19 milhões de
pessoas em janeiro, número muito próximo do recorde histórico, segundo
levantamento da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do
Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil). Nada menos que um em cada quatro
brasileiros estava com o nome sujo na praça no mês passado. Em média, as
dívidas por consumidor em janeiro atingiram R$ 3.883,63, a maior parte delas (63,04%)
com bancos. Não bastasse o número de consumidores com contas atrasadas já ter
subido 7,74% ante janeiro do ano passado, há um dado ainda mais preocupante. A
quantidade de devedores com tempo de inadimplência de 91 dias a um ano subiu
16,30%.
Esse contexto amplia as incertezas e
projeta ainda mais dificuldades sobre o comportamento do PIB neste ano. As
estimativas do mercado preveem um aumento de 0,76%, segundo o mais recente
boletim Focus, e certamente vão se deteriorar ainda mais se o cenário de contração
de crédito se confirmar. A economista-chefe do banco Credit Suisse, Solange
Srour, espera um crescimento de 0,87% neste ano, mas já não descarta mudar as
estimativas e nem mesmo a ocorrência de dois trimestres consecutivos de
resultados negativos, o que configuraria uma recessão técnica. Para se
defenderem, além de mais exigentes, os bancos tendem a elevar o custo do
crédito, retroalimentando uma inadimplência já bastante alta.
A combinação entre endividamento alto,
inflação elevada e crédito mais caro costuma, por fim, desembocar no mercado de
trabalho e aumentar o desemprego, último dos indicadores a reagir a uma crise
e, até o momento, um dos únicos que têm sido poupados. Há muitas razões para se
preocupar com o desempenho da economia neste ano. Desde que conquistou
autonomia formal, o BC manteve a prioridade de zelar pela estabilidade
monetária. Mas, para obter aval do Congresso ao projeto, a instituição cedeu
nas negociações políticas e teve de aceitar agregar novos objetivos secundários
às suas funções, entre os quais minimizar a flutuação da atividade econômica e
fomentar o pleno-emprego.
Assim, o trabalho da instituição, já
bastante desafiador em termos de controle de inflação e gerenciamento de
expectativas, ainda será testado muitas vezes ao longo dos próximos meses.
Tendo vencido temporariamente a batalha pela manutenção das metas de inflação,
a despeito da cruzada do presidente Lula da Silva contra Roberto Campos Neto,
tudo indica que o BC ainda será alvo de muitas pressões neste ano.
O idioma é questão da União
O Estado de S. Paulo.
STF acerta ao decidir que Rondônia não
poderia, como pretendia, vetar a ‘linguagem neutra’
O Supremo Tribunal Federal (STF) tomou a
decisão certa ao derrubar, por unanimidade, uma lei estadual de Rondônia que
proibia o uso da chamada “linguagem neutra” em instituições de ensino públicas
e privadas. Vale notar que os ministros do STF nem chegaram a analisar o mérito
da “linguagem neutra” – que cria em português um gênero neutro, isto é, nem
masculino nem feminino, para se referir a pessoas que não se identificam com
nenhum desses dois gêneros. Corretamente, o Supremo ateve-se à questão da
competência: a edição de normas gerais sobre diretrizes e bases da educação é
prerrogativa da União, e não dos Estados. Logo, a lei de Rondônia é
inconstitucional. Simples assim.
A determinação do Supremo valerá em todo o
País assim que o acórdão for publicado, anulando automaticamente leis estaduais
e municipais que versem sobre o tema – central na disputa ideológica travada no
País nos últimos anos. Como informou o Estadão, há pelo menos 45 leis ou
projetos similares em análise nos legislativos estaduais ou municipais de 19
Estados e do Distrito Federal. Um equívoco que acaba de ser corrigido.
A Constituição atribui funções e
competências próprias aos entes federados. Longe de mera formalidade, trata-se
de definir as regras do jogo entre as diferentes instâncias de poder da
Federação. Como destacou o ministro relator, Edson Fachin, os Estados também
têm a prerrogativa de legislar sobre educação, mas devem se submeter às normas
gerais editadas pela União. E o Brasil dispõe da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, a LDB (Lei n.º 9.394/1996), aprovada pelo Congresso e
sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
A pretexto de promover o aprendizado da
norma culta da língua portuguesa, a lei rondoniense bania a “linguagem neutra”
ou “não binária” dos materiais didáticos e das atividades educacionais em
instituições de ensino, bem como de editais de concursos públicos. Claramente,
portanto, avançava o sinal em relação à competência estadual, invadindo terreno
da União, a quem compete legislar sobre normas gerais de educação, como bem
destacou o ministro relator.
Vale lembrar que a lei de Rondônia já
estava suspensa desde novembro de 2021, por liminar do próprio ministro Fachin.
Agora o julgamento no plenário virtual do STF pôs fim ao caso e estabeleceu uma
orientação geral para o País.
Toda língua é viva e acompanha as
transformações da sociedade, refletindo variações geográficas, sociais e
etárias. À medida que o tempo passa, novas palavras e expressões são incorporadas
ao idioma, da mesma forma que outras caem em desuso. A existência de uma norma
culta não exclui as demais. Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Nunes
Marques enfatizou que a inconstitucionalidade declarada no caso da lei de
Rondônia deve se aplicar tanto à proibição de variantes da língua quanto a
eventuais tentativas de impor determinadas modalidades de uso. Ou seja, da
mesma forma que é proibido proibir, não cabe impor jeitos de falar. A língua
portuguesa é patrimônio de quem a utiliza e nenhuma lei pode mudar isso.
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