O Estado de S. Paulo
Para se manter no poder, Trump converteu seus adversários políticos em inimigos do país
A denúncia formal de Donald Trump por
tentar fraudar as eleições de 2020 e as reações do ex-presidente dão a dimensão
dos riscos envolvidos na mentira e no desafio às instituições. Para mitigar o
dano da derrota eleitoral e se manter competitivo politicamente, Trump se
engaja em colocar seus seguidores contra o sistema de Justiça americano.
“Todo o nosso país está contando com você naquele que é certamente o capítulo mais sombrio da história de nossa nação em nossa batalha final para restaurar o poder aos cidadãos”, apelou um e-mail de arrecadação de doações da campanha de Trump, na quinta-feira, dia de sua apresentação à Justiça. “Precisamos provar quantos patriotas estão dispostos a defender pacificamente nosso movimento e salvar nossa república – mesmo quando o Departamento de Justiça de (Joe) Biden tenta prender o presidente Trump por toda a vida como um homem inocente.”
Desde que se lançou à política, em 2015,
Trump tem se apresentado como o defensor do cidadão comum contra suposta
conspiração de uma elite que lhe rouba os impostos, os empregos, o direito de
ir e vir durante a pandemia, de portar armas; que permite o aborto, que
doutrina as crianças em favor de homossexuais e negros, que não defende os
interesses nacionais e que tenta se perpetuar no poder corrompendo o sistema
eleitoral e a Justiça.
Para isso, Trump converteu seus adversários
políticos em inimigos do país. E não restringiu os ataques aos democratas, mas
também aos epidemiologistas, aos ativistas dos direitos humanos, à mídia, ao
FBI (cujos diretores sempre foram republicanos), juízes e procuradores.
CRIMES. A mentira é socialmente aceita no
mundo da política. A Primeira Emenda da Constituição americana protege o
direito de expressão de maneira geral. Esse direito se aplica ao presidente de
forma ilimitada. Não é crime ele mentir. Como fica claro na denúncia de 45
páginas, o crime de que Trump é acusado não é a mentira, mas a utilização que
ele fez dela, e de seu cargo, para tentar continuar no poder sabendo que fora
derrotado nas urnas.
Os crimes de conspirar para defraudar o
governo americano e os direitos dos cidadãos são passíveis de décadas na
prisão. Para escapar dessa punição, Trump reincide: reafirma a tese da fraude
eleitoral e ataca a Justiça.
A juíza do caso, Tanya Chutkan, nomeada
pelo governo de Barack Obama e Joe Biden, deve definir no dia 28 a data do
início do julgamento. Um veredicto do júri popular antes da eleição de 5 de
novembro do ano que vem pode ser decisivo. Pesquisa Reuters/Ipsos divulgada na
sexta-feira indica que 45% dos republicanos não votariam em Trump se ele fosse
condenado; 35% votariam e 20% não sabem. Seria fatal para a candidatura de
Trump.
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