domingo, 6 de junho de 2010

Pequena história de bolso vazio:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Enquanto a ociosidade for respeitada por ser a mãe de todos os vícios, as Vice-Presidências politicamente qualificadas continuarão a ser a fonte em que seus ocupantes se banharão em segundas intenções. É questão de oportunidade, que cedo ou tarde se apresenta. A segunda intenção pela qual os vices podem ser identificados tende a prevalecer sobre a primeira, que se reserva para inglês ver e fazer de conta que não percebe. Desde Roma (a incubadeira histórica de vícios públicos e privados), a traição tem papel garantido, tanto nos bastidores quanto nos palcos da política. Ainda hoje a opinião pública aceita a traição e abomina o traidor.

No Brasil, a crise da qual derivaram as demais, fora do controle da oposição e do governo, ocorreu com a primeira deposição de Getulio Vargas em 1945 e, dali para a frente, teve a participação, direta ou indireta, de vice-presidentes com votação própria, mas sem causar problemas até a segunda deposição. O ditador Vargas havia sido deposto em 1945, com base na suspeita de montar pretextos para adiar a eleição que não tinha condições de evitar. Vargas voltou, cinco anos depois, sem que a oposição conseguisse decifrar o mistério das duas derrotas seguidas. Mas a crise não demorou e, como era farto o material de fácil combustão, Vargas fez a opção pela morte, e seu vice Café Filho assumiu o poder sob a maldição, segundo a qual a traição é perdoável, mas o traidor não.

No último episódio daquela série, um ano e pouco depois, Café Filho acabou sem a Presidência e sem a Vice. A questão se repetiria, com mais clareza e maior peso, na eleição de João Goulart como vice de Jânio Quadros em 1960. Nada os unia, e tudo os separava. A segunda intenção, no entanto, não era do vice, mas do próprio presidente que o convidou para ir, em seu nome, ao outro lado do mundo. E, quando Jango estava na China, JQ lançou por aqui a renúncia, que foi aceita no ato. A bomba estourou no próprio governo, mas o problema deixou de ser Jânio e passou a ser Jango, cuja posse foi vetada a três vozes pelos ministros militares. Parecia o começo do fim mas não passou do fim de uma sequência cujo sentido se perdeu nas consequências.

Golpe de Estado para garantir a posse do eleito era fato novo em 1955. Mas ainda não era a última palavra em matéria de crise política. O 11 de Novembro se encaixou na categoria de contragolpe legítimo, por ter feito prevalecer a vontade das urnas naquela sucessão presidencial da qual saiu JK, que deixou um saldo histórico que não foi suficiente para evitar outras confusões. Na sequência, foi a vez de Jânio Quadros e, mais uma vez, seu vice João Goulart pagou a conta. A solução militar em 1964 não se limitou a ser apenas a deposição de um presidente. Desencadeou energias republicanas acumuladas. A arte política de envolver as Forças Armadas para desatar nós (com a espada retórica dos políticos) parecia superada desde o 11 de Novembro. O método já havia falhado na renúncia de Jânio Quadros, quando civis e militares foram apanhados de surpresa e a cúpula das Forças Armadas precisou negociar um parlamentarismo de contrabando para se esquivar da exigência de impedir a posse do vice-presidente João Goulart.

Em cada crise havia um vice em questão. A de 64 tornou inviável a ideia de refazer logo a ponte de acordo com a evolução democrática natural, filtrada pelas urnas e decantada pela opinião pública. Os vices foram usados com ressalva de intenção pelos governos militares: sobrevivem graças a um ritual pré-histórico enxertado na democracia. Os generais presidentes passaram a cultivar preferência por vice-presidentes civis, quando a imagem do Brasil era arranhada no noticiário da imprensa internacional e vetado entre nós. Como a eleição dos presidentes militares se fazia pelo voto indireto, os vices não representavam perigo. Quanto à preferência por vices de procedência mineira, nunca foi bem explicada, mas ficou implícito o reconhecimento e a admiração castrense de que em Minas a política é uma arte que merece que se lhe tire o chapéu (no caso, o quepe).

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