terça-feira, 29 de maio de 2012

História e verdade :: Sérgio C. Buarque

Em 2010, publiquei um artigo na editoria de Opinião do Jornal do Commercio (intitulado A Verdade) refletindo criticamente sobre a proposta de formação de uma Comissão da Verdade. Dois anos depois, a Comissão da Verdade foi constituída agora com sete respeitáveis e maduras personalidades brasileiras e numa cerimônia marcada pelo caráter republicano e pela serenidade da presidente da República.

A composição da comissão e, principalmente as características do evento de lançamento, com o discurso equilibrado e sereno da presidente Dilma Rousseff, me obrigam a retificar parte do meu artigo na qual temia que a comissão ganhasse um corte ideológico e fosse contaminada pela intolerância e arrogância que caracteriza o PT na relação com seus críticos e no julgamento dos fatos históricos. Em tais circunstâncias, dizia, a formação da comissão não ajudaria na busca de verdade mas apenas tentaria dar legitimidade ao enunciado "da verdade" do partido no poder.

Felizmente aquelas suspeitas foram totalmente refutadas pela postura da presidente Dilma que se posicionou por cima do seu partido e como uma chefe de Estado: na escolha dos nomes, no simbolismo do cerimonial (com a presença de todos os presidentes vivos do período democrático), e na maturidade política do seu pronunciamento.

Por outro lado, contudo, quero reafirmar agora a tese formulada no citado artigo anterior de que não existe nem é desejável a declaração de uma "verdade oficial". A presidente disse que o "Brasil merece a verdade. As novas gerações merecem a verdade". Isto significa que a comissão, em nome do Estado, vai definir uma verdade oficial? Uma verdade que acaba com toda a controvérsia na sociedade e que torna inócuo o trabalho do historiador na temática oficializada pelo Estado?

A comissão pode dar uma grande contribuição à Nação e à democracia com a investigação e o esclarecimento dos fatos ainda obscuros, ampliando o conhecimento sobre os acontecimentos que envolveram a ditadura e a repressão política da época. Mas estará longe de formular "a verdade", se os próprios fatos, à luz do presente e com a visão dos seus protagonistas (neste caso a maioria deles ainda vivos e politicamente ativos), permitem diferentes olhares e percepções, a interpretação e a análise dos eventos do passado contemplam múltiplas e distintas abordagens e conclusões de parte dos historiadores.

Não existe uma verdade oficial e o Estado não pode dizer qual verdade – fatos conectados e sua interpretação – deve ser assumida pela sociedade. A verdade é uma busca permanente e, muitas vezes, descontínua de observação e análise de informações sobre o passado para ampliação do conhecimento sobre a complexidade dos fatos e a dinâmica da história.

O relatório da Comissão da Verdade, mesmo com a legitimidade ganha com sua composição e com o reconhecimento da sociedade, não encerrará a busca da verdade como uma construção e reconstrução permanente do passado. Mas, a organização de dados e informações e a divulgação de documentos dispersos e escondidos podem abrir novos horizontes para aprofundamento da história e ampliar o debate público de ideias e analises sobre o passado recente do Brasil.

Sérgio C. Buarque é economista e consultor

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

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