terça-feira, 10 de julho de 2012

FH e o Prêmio Kluge:: Tereza Cruvinel

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recebe hoje, em Washington, o Prêmio Kluge, conferido pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos a personalidades que se destacaram pela contribuição acadêmica ou pela liderança política. Autor de 23 livros e 116 artigos acadêmicos, coformulador, com Enzo Faleto, da Teoria da Dependência, a escolha de FH foi atribuída às duas condições, a de intelectual e a de político. Reconhecimento e honra o alcançam aos 81 anos recém-completados, numa hora talvez especial. 

Fora do poder, amargou certo ostracismo durante os oitos anos em que Lula reinou com popularidade ímpar e densa projeção externa, e o próprio PSDB foi tíbio e quase omisso na defesa de seu legado. Deve-se, pelo menos em parte, à presidente Dilma Rousseff, o resgate de FH para a cena política maior, em que se passam os atos de Estado, não os de governo. Os gestos dela foram sempre além da mera civilidade. Convidou-o para o almoço oferecido a Barack Obama (março/2011) e saudou-o, no aniversário de 80 anos (junho/2011), com uma carta afetuosa, mencionando "o acadêmico inovador, o político habilidoso, o ministro-arquiteto de um plano duradouro de saída da hiperinflação e o presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica". Ele admitiu que gostou. Seguiram-se outros encontros e frases de simpatia recíproca. Ainda que só por coincidência, no governo dela, FH recuperou a desenvoltura. Conte-se também o recolhimento decorrente da perda de D. Ruth Cardoso.

 Sua experiência e suas ideias voltaram a estar disponíveis. Goste-se delas ou não, a pluralidade é sempre enriquecedora. 

Transcrevo respostas dele a perguntas que lhe enviei por e-mail, antes de seu embarque para Washington, focando seu momento.

Sobre o prêmio: "Eu não o esperava. É raro que em países mais desenvolvidos haja espaço para reconhecer o trabalho intelectual feito em outras áreas. Por isso, a esta altura da vida, surpreendeu-me tamanha honraria. Os patrocinadores buscam ser uma espécie de Nobel para as áreas de conhecimento científico não cobertas por este. Você pergunta se me sinto mais prestigiado lá fora que no Brasil. Não. Tenho algum reconhecimento no exterior, mas nenhuma razão de queixa sobre o reconhecimento e as oportunidades que me foram dadas por meu país, como intelectual e como político. Nunca esperei tanto."

Vida acadêmica x militância: "O que houve comigo não foi exatamente uma "guinada". A política foi menos uma escolha do que uma circunstância, dado o regime autoritário que forçava os intelectuais decentes a se tornarem opositores ativos. Mas eu nunca deixei de agir pensando no que fazia. Nunca houve divórcio entre o intelectual e o político. Como você diz, minha produção intelectual foi reduzida enquanto estive na política partidária, mas retomei-a logo que pude."

O intelectual e o político: "No discurso de agradecimento ao Kluge Prize, trato de mostrar a conexão entre ambos. Indubitavelmente, minha experiência acadêmica ajudou-me a compreender melhor certas situações políticas e a enfrentá-las do melhor modo possível. Mas é certo que o preconceito anti-intelectualista que se apossou da política brasileira dificulta minha aceitação no universo político."

Os intelectuais se acomodaram: "Eu não diria isso, mas creio que é dever dos intelectuais atuar não só contra governos que tiram a liberdade. Também nas democracias eu prefiro que sejam menos passivos diante do que deve ser criticado, mesmo quando apoiando os que estão no poder."

Erros cometidos: "Na política, as possibilidades de erro são maiores. Cometi alguns, dos quais já fiz auto-crítica. Por exemplo, a lentidão na mudança das regras do câmbio ou a insistência simultânea em muitas reformas, além das que a sociedade poderia suportar. Sem falar na escolha de pessoas que nem sempre corresponderam às minhas expectativas. Demorei também a substituir alguns. Na vida acadêmica, meu maior equivoco talvez tenha sido o de ter me dedicado a temas muito diversos que, mesmo possuindo certa unidade em minha cabeça, foram percebidos como descontínuos, pois não explicitei bem os elos de ligação entre eles."

O que fará com o US$ 1 milhão do prêmio. Alguma doação: "Por enquanto, só sei que "darei" US$ 270 mil para o governo, sob a forma de Imposto de Renda. Espero que façam bom uso deles."

Em maio, o ex-presidente Lula também recebeu um prêmio internacional importante, o Four Freedoms Awards (Prêmio das Quatro Liberdades), da fundação holandesa Roosevelt Stichting. Embora não se biquem, até no reconhecimento externo se complementam.

Uma caravana de tucanos prestigiará a entrega do Prêmio Kluge a FH. Entre eles, o senador e provável presidenciável Aécio Neves, que embarca imediatamente depois para chegar a Brasília em tempo de participar da sessão do Senado sobre a cassação de Demóstenes Torres. As ausências contam a favor.

Baixa no PSD

O PT perdeu o deputado Maurício Rands e o PSD perde hoje Roberto Brant pelo mesmo motivo: a interferência da mão pesada da direção nacional nas questões eleitorais. Para Brant, ao forçar o apoio do PSD mineiro ao petista Patrus Ananias, o prefeito Gilberto Kassab revelou que o novo partido é para lá de oligárquico. "É um partido monárquico, no qual não posso ficar se já deixei outras siglas por conta do caciquismo e da falta de democracia interna".

Fim de linha

As críticas ácidas do governador Eduardo Campos (PSB-PE) ao PT e os ataques frontais do ex-ministro Ciro Gomes apontam o fim da Frente Popular. Ao longo de 23 anos e seis eleições presidenciais, ela uniu a esquerda brasileira. Com o PCdoB, as coisas também não vão bem, tendo o PT lançado candidato próprio até em Porto Alegre, onde a comunista Manuel D"Ávila é favorita. Está chegando o tempo de murici: cada um cuida de si.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

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