À medida que se
dissipam as nuvens acumuladas em torno do julgamento da Ação Penal 470, fica
novamente à vista a sucessão presidencial na qual dois destinos políticos,
daqui a dois anos, vão se cruzar. Do choque sobrará uma das duas candidaturas que
colidem na expectativa de 2014. Só haverá lugar para um. Ao outro pretendente restará tempo para
localizar onde plantou o erro cuja conseqüência colherá antes de chegar às
urnas. Não há mais tempo a perder. Mensalão e eleição municipal, não demora,
serão páginas viradas.
Dilma Rousseff e
Luiz Inácio deram a largada lá atrás e, até prova em contrário, nem tiveram o cuidado
de respeitar o princípio segundo o qual dois corpos não conseguem ocupar o
mesmo espaço. Um dos dois terá de se recolher à modéstia compulsória. Ao outro
caberá relatar a seu modo o que se passou, à espera de que o tempo acerte as
contas com ambos. Inevitável será que um ganhe e o outro perca. Ao perdedor, a
oportunidade de se resignar.
Como não podia deixar
de ocorrer, o ex-presidente Lula já se movimenta com a volúpia de recorrer a
normas e procedimentos não escritos, na medida ética inferior de cada um. Pelo
que lhe diz respeito, o eleitor também tem leitura própria das circunstâncias
que se mostram ou se escondem atrás de aparências.
Lula já era
candidato antes de haver eleição à vista. Aprendeu na escola do sindicalismo.
Dilma Rousseff bebeu em outra fonte e, pela qualidade revelada, foi uma
surpresa quando as primeiras dificuldades entre eles, sobretudo as de natureza
ética, se acentuaram assim que tomou as
rédeas nas mãos. Para surpresa de quem via com alguma distância, a diferença já trincava a relação entre o ex-presidente e a sucessora. E, pelo efeito inesperado, a
diferença pessoal e política entre os dois aconselhou a freada de arrumação. A
eleição municipal tem o que contar.
A diferença entre
Lula e Dilma Rousseff não foi referida abertamente pelos políticos, mas assimilada
como acomodação temporária pela parcela social genericamente referida como
classe média. E passou a fazer parte do jogo quando o procedimento do novo
governo apontou na direção de valores sem os quais o estilo Dilma Rousseff não
passaria de delegação política do titular, até a volta de Luiz Inácio ao poder
a que ficou mal acostumado. O antecessor já nem disfarçava a ambição de mando
que lhe subiu à cabeça: recusa-se a descer do pedestal e faz um estrago no que
já se confunde com desprezo pela democracia, da maneira como a entende e aplica.
O que já se esboçava como expectativa de poder para dois era o pressentimento
de que, na cadência em que vinham, as duas candidaturas embutidas no exercício
do poder prometiam bater de frente. Ainda que a nenhum dos dois interessasse um
choque de tal proporção, enquanto fosse possível salvar as aparências sem
apagar a suspeita dos que se fartam com as expectativas perturbadoras.
Ficou o
pressentimento de que Dilma e Lula vão bater de frente, ainda que não pretendam
ir tão longe. Mas será inevitável: a sucessão em destaque, por falta de outra,
é a presidencial (num país que deixou para trás as hipóteses sempre à
disposição do perdedor). Já não se planta na campanha eleitoral a suspeita de
trapaça como salvo-conduto. Ou de ameaças com efeitos que perderam a
oportunidade histórica de intimidar.
Para despir o mandato
presidencial, Lula recorreu à melhor aluna da sua escola de desgoverno, onde
foi para o ralo o princípio republicano segundo o qual não é indispensável ser
absolutamente ético, desde que se salve a aparência. Sob o escudo de uma ex-presidência, que não existe como função
pública, Lula exerce a mímica da tutela presidencial. Ocupa o palácio como se
fosse hóspede oficial e dá a entender que é ele quem governa. Há quem acredite.
O problema,
evidentemente, é da presidente Dilma, que resistiu com discreta galhardia, mas a
gentileza na oportunidade eleitoral foi longe demais, e ainda não voltou à
distância regulamentar que a separa do ex-presidente. Nos atributos e nas imperfeições
do trato político. Não é possível que Dilma Rousseff não se tenha dado conta de
que não deve o mandato ao seu antecessor. E, portanto, não tem de pagar o que
lhe vem sendo cobrado, de modo às vezes afrontoso.
É booling o que Lula faz com a presidente, que
não contraiu dívida que lhe imponha o desgaste ético com juros e correção
monetária. O mandato não pesa como dívida de gratidão e, se a presidente Dilma se
sente devedora, deve retribuir é ao eleitor, no exercício dos poderes avalizados pela cidadania.Ela
pagou adiantado a iniciativa do antecessor ao livrá-lo, com sua própria
candidatura, do assédio do PT: Não é bom indício o exibicionismo do
ex-presidente à margem dos costumes éticos que dignificam a democracia e
sustentam a república.
Aproxima-se a hora
em que a candidatura Dilma à reeleição será cobrada e entendida como oportunidade de valorização ética do exercício do poder, e não
o que se viu na campanha eleitoral: a presidente em palanques em situações
constrangedoras, pois é a presidente da República e, por extensão, de todos os
brasileiros, e não apenas a serviço eleitoral de Lula. Seria um nó difícil de
desatar se , daqui a dois anos, a democracia, com o capital eleitoral de 200
milhões de brasileiros, tivesse de escolher entre um ex-presidente Lula e a
presidente Dilma Rousseff, por um
descalabro que fosse a soma de todas as pequenas afrontas feitas à cidadania e
à democracia (que lhe ensinou nas urnas o suficiente para prosseguir sem
interrupções).
Fonte: Jornal do
Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário