- O Estado de S. Paulo
Aviso ao leitor: se o Datafolha não mostrou Marina Silva (PSB) com um pé no segundo turno presidencial, não vale a pena ler o resto deste texto. Ele foi escrito antes da divulgação dessa pesquisa, a primeira após a morte de Eduardo Campos. Outros sinais, porém, indicavam que a sondagem mostraria Marina muito bem na foto. Se esses sinais estavam certos, boa leitura.
A volta por cima de Marina ganha mais impulso com a pesquisa Datafolha. Feita no auge da comoção nacional com a morte de Campos, a sondagem é um fato político em si. Interfere na campanha ao aumentar o cacife de Marina. Deixa-a em posição de força para ditar os termos de sua candidatura ao PSB.
Mesmo inflada pelo momento da coleta, a pesquisa confere a Marina uma dose de favoritismo que Campos nunca teve. Mas o sabor de virada é agridoce para os pajés sem cacique do PSB. A grande chance de ganharem a Presidência pelo voto não só veio pela perda de seu líder, como ainda convive com a incerteza: será que tal vitória os levaria de fato ao poder? Porque antes de ser do PSB, Marina é do partido de Marina.
O PSB não é o único desconfiado que perdeu mais do que ganhou. Aécio Neves (PSDB) não precisa mais se preocupar se haverá segundo turno, mas corre risco inédito de ficar fora dele. Dilma Rousseff (PT) pode até não perder já, mas vê escapar a possibilidade de reeleição já em 5 de outubro - com o agravante de aumentar seu risco de derrota no turno final.
Muita coisa mudou em pouco tempo e pode continuar mudando. Marina entra na corrida pelo topo. Não será fácil manter-se tão em evidência quanto esteve desde o dia 13. Aumentará o tiroteio contra ela. Por isso, só as pesquisas do fim de agosto mostrarão um quadro decantado do pós-tragédia. Até lá, vale a pena entender como Marina chegou aonde chegou.
Uma parte de seus eleitores é histórica, não muda facilmente. A outra vem na onda emocional em que a pesquisa foi feita. A candidata precisará trabalhar para consolidar esse eleitor neomarinista. Os antigos são, por mais de um motivo, fiéis.
O eleitorado estrutural de Marina é um misto de dois grupos distintos. Na ponta da pirâmide, jovens descontentes com a política tradicional, muitos deles manifestantes de 2013. Têm escolaridade acima da média e se acham qualificados demais para as oportunidades de emprego que lhe aparecem. Na base, eleitores religiosos, principalmente mulheres evangélicas.
Por razões distintas - o conservacionismo da Marina ambientalista, e o conservadorismo da Marina dogmática -, ambos votaram nela há quatro anos. O grupo religioso aderiu na reta final do primeiro turno de 2010, após campanha de neopentecostais associar Dilma à defesa do aborto.
No segundo turno, uma parte desses eleitores votou em Dilma, mas sem convicção. Está sempre pronta a pular fora do barco da petista a qualquer sinal de avanço da presidente no campo dogmático. Foi o que ocorreu em maio deste ano, depois que o governo regulamentou o aborto por razões médicas e legais na rede SUS. A reação foi tão forte que a portaria foi revogada.
Esse eleitor crê quando Marina diz que foi "providência divina" ela não ter viajado no avião que caiu.
Mas desconfia quando Dilma diz "feliz da nação cujo Deus é o Senhor". O voto religioso em Marina rebaixa o piso eleitoral de Dilma - assim como seu eleitorado jovem limita o teto potencial de Aécio. Aí há menos chance de mudanças.
Quem oscila e pode ou não levar Marina à vitória é quem estava insatisfeito com as candidaturas existentes e aparecia na coluna do branco, nulo e indeciso. Esse eleitor estava desligado da eleição até o Cessna Citation explodir em Santos. O estrondo da tragédia despertou-o para a campanha. No susto, aderiu a Marina. Se vai continuar, depende de ela conseguir equilibrar conservacionismo, conservadorismo e messianismo.
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