segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Ricardo Noblat: A guerra dos tronos

"Não vamos desistir do Brasil"
EDUARDO CAMPOS

- O Globo

Tal avô, tal pai adotivo e tal filho . Há nove anos, pouco antes de morrer, o mítico Miguel Arraes, três vezes governador de Pernambuco, cassado e exilado pela ditadura de 1964, ouviu a provocação feita por um amigo do seu neto, Eduardo Campos: "Não está na hora de passar o chapéu?". Arraes respondeu: "Quem quiser que pegue". Isto é: não indicarei um herdeiro. Quem quiser que conquiste o lugar .

Entre amigos, mais de uma vez nos últimos anos,Lula disse que considerava Eduardo uma espécie de filho adotivo seu. Quem, dentro do PT , Lula formou para sucedê-lo no comando do partido? Porto dos os meios possíveis, Lula sempre deu um jeito de apagar quem lhe pudesse fazer sombra. Concorreu à Presidência da República cinco vezes. Para substituí-lo por quatro anos apenas, iluminou um poste chamado Dilma.

O poste rebelou-se, bateu o salto no chão com raiva e decidiu tentar se reeleger. Lula amaldiçoa a hora em que não abriu o jogo e combinou com Dilma que, em 2014, seria novamente a vez dele. Agora é tarde. Nem mesmo o fantasma de Marina Silva será capaz de remover Dilma do caminho de Lula. Se depender de Dilma, Lula brilhará em sua campanha e a seu serviço. Mas não dividirá o protagonismo com ela.

Arraes morreu de morte morrida aos 89 anos. Eduardo, de morte inesperada, trágica, aos 49 anos. Como o avô e o pai adotivo, Eduardo não deixa herdeiros. Primeiro porque não teve tempo para deixar. Segundo porque não fez questão de deixar. Marina disputará a vaga de Dilma porque era vice de Eduardo—não porque fosse sua herdeira. Pernambuco, um dos estados mais politizados do país, ficou órfão.

Tamanha era a força de Eduardo que ele se reelegeu em 2010 com 82% dos votos, ganhou a eleição em todos os municípios do estado, encabeçou nos últimos quatro anos a lista dos governadores mais bem avaliados do país e juntou 20 partidos para derrotar fragorosamente o PT há dois anos e eleger prefeito do Recife quem jamais disputara uma eleição. Os amigos, às suas costas, o chamavam de "O Imperador".

Pois bem: "O Imperador" indicou para seu lugar um ex -auxiliar que, como o prefeito , era novato em matéria de eleição — o técnico Paulo Câmara, ex–secretário da Administração e da Fazenda de Eduardo. O DataFolha, no sábado passado, conferiu a Paulo 13% das intenções de voto contra 47% de Armando Monteiro Filho , candidato apoiado pelo PT . Se estivesse vivo, Eduardo daria um jeito de animar seus seguidores.

Dotado de uma extraordinária autoconfiança, de uma capacidade de trabalho invejada por amigos e adversários e de um admirável poder de persuasão, para Eduardo não existia o talvez ou o quem sabe. Parecia convencido de que nada o impediria de atingir de fato seus objetivos. E, a se levar em conta sua curta, mas meteórica e bem-sucedida trajetória política, estava certo.

Eduardo morreu convencido de que elegeria seu candidato ao governo de Pernambuco e de que venceria Dilma no segundo turno com a ajuda de Aécio Neves, do PSDB. Da única vez que falou para milhões de brasileiros — cerca de 35 milhões, a audiência do "Jornal Nacional", na última terça-feira—, cunhou a frase pela qual começa a se tornar conhecido: "Não vamos desistir do Brasil".

Pouco depois de dizê-la, e como não parasse de falar , ouviu de Patricia Poeta, apresentador a do telejornal, a advertência curta e grossa: "Seu tempo acabou, candidato ". Morreu no dia seguinte . Virou história

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