- O Estado de S. Paulo
“Se não há mais ordem, como viver uma festa da desordem? O carnaval tornou-se banal, medíocre, trivial e diário”. Roberto da Matta, Estadão, 18/2/2015
A frase precisa fica martelando a cabeça, depois dos quatro dias regulamentares de folia. Ruas, desfiles, sambódromos, blocos e transmissões televisivas fizeram com que o carnaval mais uma vez acontecesse. Desgraças passionais, acidentes, a corrupção nossa de cada dia, as conhecidas chagas sociais, alguns jogos de futebol, enchentes localizadas, turistas extasiados, fuga em massa para as praias e as estradas lotadas de sempre mantiveram viva a agenda normal, mas o centro esteve ocupado pelos foliões.
Desculpem-me os carnavalescos entusiasmados, mas carnaval, foliões, festa popular? São expressões superlativas, somente colam com dificuldade na realidade, símbolos de uma busca sôfrega por diversão, deboche e espontaneidade, do desejo incontido de subverter a ordem, os lugares e os papéis estabelecidos. Busca, de resto, inútil: acha-se na festa exatamente aquilo com que se tromba nos demais 360 dias do ano. Só que, no tríduo momesco, tudo fica devidamente glamourizado, vira espetáculo e peça mercadológica, faz com que rodem algumas engrenagens estratégicas. Nada menos carnavalesco.
Nossos tempos de turbulência, movimentação frenética e conectividade fizeram da subversão uma regra do cotidiano. Tudo é sempre igual e sempre diferente no dia seguinte. Continuam a haver crimes, corrupção, luta por poder, contestações, protestos e terrorismo, mas nada disso abala ou põe em xeque o sistema, antes o reforça. A “boa” subversão — aquela que vem pela política e pela cultura e produz mudanças efetivas, sustentáveis — tem quase nada de oxigênio. Parece dar murros em ponta de faca.
Passamos a viver uma rotina sistêmica asfixiante, que não só assimila e neutraliza os atos subversivos, como os converte em alimento e reforço do sistema. Sequer a desordem consegue ser subvertida.
Apesar disso, o pós-carnaval continua a ser um momento de retomada. Faz-se de conta que o baixo astral ficou nas ruas da folia, trancado nos armários junto com as máscaras e fantasias protocolares.
Fecham-se as cortinas do verão, vêem (será?) as águas de março… Querendo ou não, abre-se espaço para que se tente novamente recuperar os termos autênticos da subversão.
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Marco Aurélio Nogueira é professor de Teoria Política da Unesp
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