A oposição venezuelana deu uma surra no governo chavista nas eleições de domingo. O presidente Nicolás Maduro e seu movimento bolivariano terão agora de se defrontar com uma situação inédita desde que Hugo Chávez chegou ao poder pelo voto em 1998: dirigir o país com minoria na Assembleia Nacional. Há boas razões para apontar que há incompatibilidade entre o chavismo e o funcionamento sem restrições da democracia. Pelas ameaças feitas por Maduro ao longo da campanha eleitoral e no próprio discurso de aceitação de uma derrota esmagadora - 99 opositores ante 46 governistas em um total de 167 deputados, com 22 cargos ainda a designar - a oposição pode ter ganho, mas não é certo que o governo respeitará o resultado.
Maduro fez seu pronunciamento de madrugada, após resultados que compilavam o veredito de 96% dos eleitores, isto é, dos pouco mais de 14 milhões de venezuelanos que participaram do pleito. Nele não transparece a reflexão sobre um desempenho adverso, e sim a continuidade das ameaças pré-eleitorais. "Triunfou a guerra econômica, a estratégia de tornar vulnerável a confiança coletiva em um projeto de país", disse o presidente. A ênfase é esclarecedora: "Na Venezuela não venceu a oposição, venceu circunstancialmente a contra-revolução".
A soma de poderes que a oposição terá em mãos dependia ainda ontem do término da apuração. A maioria simples, de 84 congressistas, lhe assegura decidir pela anistia de presos políticos - um dos primeiros atos já decididos quando a Assembleia se reunir em 5 de janeiro - e impor vetos ao Orçamento nacional. É mais que certo que os anti-chavistas obteriam a maioria qualificada de três quintos, ou 101 cadeiras, o que lhe permitiria também emitir votos de censura a ministros e impedir o presidente de governar por decretos.
Avançar mais dependerá de uma diferença especiosa. Com supermaioria qualificada de dois terços, ou 112 deputados, os opositores têm prerrogativa para nomear ministros do tribunal superior, o presidente do Conselho Nacional Eleitoral e outros cargos vitais da burocracia de Estado, além de convocar o plebiscito de reconfirmação de Maduro no cargo. A Mesa de Unidade Democrática, a ampla coalizão de forças anti-chavistas, estima que tenha obtido 108 votos e que poderia obter até 5 mais.
Quando dispunha de todos os poderes, Nicolás Maduro nada fez para realizar as mudanças urgentes que a economia exigia. Após estatizar grande parte da economia e patrocinar uma miríade de programas sociais apoiada em subsídios e no dinheiro do petróleo, os planos do governo foram duramente golpeados pela queda de 50% dos preços do petróleo em meados de 2014 - o produto compõe 96% das exportações do país.
O câmbio paralelo explodiu, o sistema multicambial oficial tornou-se uma excentricidade com três cotações distintas - um convite à fraude - e o governo centralizou os pagamentos, isto é, deixou de liberar divisas para quitação de compromissos de empresas em moeda forte. Com uma das maiores reservas de petróleo do mundo, a Venezuela dispõe hoje de apenas US$ 24 bilhões em caixa pela contabilidade oficial, nada confiável não tanto pela superestimação de seu caixa, mas pela subestimação e falta de transparência do uso e localização das reservas.
O sistema de preços perdeu relevância com uma gestão fortemente intervencionista, de lucros tabelados, preços congelados e a consequente falta generalizada de produtos, boa parte deles importados. Dependendo do câmbio usado, o oficial (6,28 bolívares por dólar) ou o negro (900 bolívares), faz do salário mínimo do país um dos maiores da América Latina (quase US$ 800) ou um dos menores, de US$ 11.
Maduro prometeu várias vezes endireitar o câmbio e realizar reformas pontuais, que lhe permitisse aprumar a economia sem contraditar a ideologia oficial, entre elas eliminar subsídios à gasolina, a mais barata do mundo. Nada fez. A inflação, que o governo não divulga há meses, tornou-se um flagelo de três dígitos (180%) e o PIB deve encolher 10% no ano. Ao lado do desabastecimento e índices gritantes de criminalidade, havia motivo suficiente para que a maioria da população votasse contra o governo. Como da parte dos chavistas não há a menor disposição de se curvar à contra-revolução, o futuro pode reservar más surpresas aos venezuelanos.
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