- O Estado de S. Paulo
Diante da paralisia governamental, da expansão incontrolada da ação legislativa, da recessão econômica e do ativismo da Justiça, vê-se muita cobrança: e as oposições, e o PSDB? Sumiram? Que farão com os mais de 50 milhões de votos que receberam?
Compreende-se a angústia, mas é preciso distinguir os papéis da oposição e os do governo. Como no jogo de xadrez, o governo joga com as pedras brancas, as iniciativas têm de partir dele. Tomou algumas no desespero, para enfrentar as agruras financeiras. Ao tomá-las foi buscar quadros e medidas no arsenal da oposição. Quer isso dizer que a oposição deve ficar paralisada? Não. Política econômica é questão de dosagem e de credibilidade. A dose parece excessiva e todo esforço fiscal pode se esvair na falta de atividade econômica, que encolhe a arrecadação. Segundo, sem um horizonte de esperança, qualquer ajuste pode ser letal. Com este governo não há recuperação de credibilidade à vista, pois o cristal se quebrou. E os escândalos de corrupção revelados diariamente se encarregam de corroer qualquer elo de confiança que o governo queira tecer.
Cabe às oposições mostrar no dia a dia, e não só no Congresso, que o sofrimento do povo é consequência da ação desatinada dos governos de Lula e Dilma - da dupla, e não só da última -, que desdenharam das boas práticas de gestão do Estado. Só na Petrobrás, os prejuízos causados por decisões erradas para atender a pressões políticas chegam a R$ 34 bilhões, fora os R$ 6 bilhões de propinas! E que dizer do desrespeito sistemático à Lei de Responsabilidade Fiscal? É prova de imprudência no uso do dinheiro público.
É preciso reavivar a memória do povo, a cada instante, para mostrar que este ajuste violento não corresponde ao que foi pregado pelo PSDB, não é “o que o Aécio faria”. O ajuste vai cair nos ombros da população. O aumento de impostos pega todos, empresários e consumidores, desemprego e reajustes salariais abaixo da inflação pegam os trabalhadores. A alta das taxas de juros em doses excessivas aumenta a dívida pública e dificulta o próprio ajuste. Essas medidas podem eventualmente controlar a inflação, mas reduzem a massa salarial e diminuem o consumo. Como o governo não corta despesas, a retomada do crescimento - se houver - terá sido conseguida a enorme custo para o povo.
O refrão das oposições deve ser: chegamos a tais medidas e ao descalabro atual porque os governos lulopetistas foram irresponsáveis, não se preocuparam em controlar o gasto público e enganaram o povo, enveredando pela megalomania. Os royalties do pré-sal, diziam, vão resolver os problemas da educação, faremos ao mesmo tempo o trem-bala, a transposição do São Francisco, a Norte-Sul e a Transnordestina, sem falar nos 800 aeroportos! Concessão de serviço público é coisa de vende-pátria neoliberal. Daremos empréstimos no Fies e no Minha Casa, Minha Vida, as bolsas acomodarão os miseráveis e o BNDES dará subsídios em abundância aos empresários. O Tesouro Nacional pagará a farra.
Tanto pior, melhor? Não. Anotada e registrada a responsabilidade política do petismo, as oposições, em particular o PSDB, têm compromissos com a Nação. Nada justifica arruinar ainda mais o futuro, votando pela derrubada do fator previdenciário. Nada explica apoiar aumentos de gasto que no futuro serão pagos com mais impostos, mais inflação e mais ajustes. Em suma, a oposição deve criticar as políticas petistas, e não se confundir com elas. Não deve, porém, votar contra os interesses da Nação.
Espera-se mais das oposições. Espera-se que apresentem sua visão de futuro, apontando um rumo ao País. Espera-se que se comprometam com a construção de uma economia de baixo carbono, impulsionada pela inovação, regida por regras claras e estáveis, com agências regulatórias independentes, melhor e mais integrada ao mundo e às cadeias globais de valor. Espera-se que defendam a reindustrialização do País, sem hesitar na crítica a políticas canhestras de conteúdo nacional que, sob a pretensão enganosa de estimular a produção local, acabam por isolar o Brasil e condená-lo à obsolescência tecnológica. Espera-se que façam da educação não um slogan, mas de fato uma prioridade do Estado e da sociedade; que tenham a coragem de dizer que, embora avançando, o Brasil está ficando para trás em relação a países comparáveis ao nosso; que diante da sombra que esse quadro projeta sobre o futuro do País não receiem enfrentar dogmas e pressões corporativas que dificultam reformas e inovações indispensáveis a um salto de qualidade em matéria de educação.
Espera-se das oposições que sejam progressistas também no campo comportamental: que não defendam a redução da maioridade penal, mas sim a extensão da pena dos menores infratores em dependências que sejam condizentes com a dignidade humana; que apoiem como legítimo e justo o casamento entre pessoas do mesmo sexo; que não fujam ao debate sobre as drogas e não temam proclamar que o encarceramento dos usuários é parte do problema, e não da solução; que sejam assertivas na luta pela igualdade de gênero e contra o preconceito e a discriminação racial, com o uso adequado de cotas e demais medidas compensatórias; e que não aceitem retrocessos legais na questão das terras indígenas.
Espera-se das oposições, sobretudo, que reafirmem seus valores democráticos. Que digam, em alto e bom som, ser possível e necessário atuar contra a deliberada violação de direitos humanos, principalmente em países vizinhos, sem com isso ferir o princípio da não intervenção.
Da mesma maneira, espera-se que reiterem não ter o propósito antidemocrático de derrubar governos, mas tampouco o temor de cumprir seus deveres constitucionais, se os fatos e a lei assim o impuserem.
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Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e foi presidente da República
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