Valor Econômico
Choques simultâneos, tanto do lado da
demanda quanto da oferta, podem dificultar as chances de reeleição de Bolsonaro
Como a economia global poderá influenciar a
eleição presidencial deste ano no Brasil?
Atrás nas pesquisas, o presidente Jair
Bolsonaro precisa de um bom desempenho da economia brasileira no restante do
ano para manter as chances de reeleição em outubro. Mas justamente quando o
cenário econômico interno dá sinais de melhora, o cenário externo começa a
piorar mais acentuadamente. Assim, é improvável que a economia global vá
favorecer o presidente na reta final da disputa eleitoral. Pode até
prejudicá-lo.
A economia global enfrenta atualmente
vários choques simultâneos. Há os efeitos ainda da pandemia de covid-19, a
desaceleração na China, os problemas derivados da guerra na Ucrânia, a alta da
inflação global e o movimento de elevação dos juros pelo mundo. Tudo isso gera
fortes pressões negativas, tanto do lado da demanda como no da oferta.
O choque na demanda (que já é claro na
China e que começa a se espalhar pela Europa, mas ainda não pelos EUA)
enfraquece o crescimento. O choque na oferta, causado principalmente pelos
problemas nas cadeias globais e pela guerra na Ucrânia, aumenta os preços
globais de uma série de produtos, de chips de carros a commodities agrícolas e
energéticas - ontem os EUA previram uma queda da produção global de trigo neste
ano, o que fez o preço subir 6%.
Essa combinação de choque de demanda e choque de oferta é pouco comum e ameaça gerar o fenômeno conhecido como estagflação, quando ocorre ao mesmo tempo uma estagnação econômica e inflação alta. Normalmente, a inflação sobe quando a economia está aquecida e cai quando ela esfria.
Apesar de a atividade econômica nos EUA
ainda estar aquecida, o debate do momento no país é se a economia americana
conseguirá ter um pouso suave, isto é, reduzir a inflação (que está no maior
nível em 40 anos) sem gerar uma recessão. Autoridades americanas obviamente se
dizem confiantes. Mas muitos economistas discordam. Na semana passada, o
ex-secretário do Tesouro Larry Summers, um democrata, sugeriu que o pouso suave
é muito improvável. Uma recessão nos EUA provavelmente não virá neste ano, mas
crescem as apostas de que já está contratada para 2023. Assim, os agentes
econômicos começam a se ajustar, o que por si só já induz a uma desaceleração.
A China, cuja demanda é vital para países
exportadores de commodities, como o Brasil, atravessa possivelmente o pior
momento econômico desde a crise do final dos anos 80. Os problemas nas cadeias
de produção induzidos pela pandemia, a campanha do governo contra alguns
setores, como as empresas privadas de tecnologia, e mais recentemente os
lockdowns para conter a covid-19 infligiram um duro golpe à economia chinesa. A
meta oficial de crescimento deste ano é de cerca de 5,5%, que já seria o menor
desde 1991. Mas economistas privados já falam de expansão do PIB abaixo de 4%.
Na Europa, que esperava um ano de retomada
após a pandemia, a guerra na Ucrânia está induzindo a uma inesperada freada da
economia, causada principalmente pelo aumento dos custos da energia. A escala
desse ajuste ainda é incerta e vai depender do desenrolar do conflito na
Ucrânia, mas o risco de uma recessão no ano é grande. Dado divulgado ontem
apontou queda na atividade econômica no Reino Unido em março.
A expectativa de que a inflação começasse a
ceder, tanto no Brasil como no exterior, a partir deste segundo trimestre,
também está incerta. Os preços dos combustíveis e da energia continuam
aumentando (o preço médio da gasolina bateu recorde nos EUA nesta semana), o
que continuará gerando reajustes de preços em toda a cadeia.
Para conter a inflação, o Fed (BC
americano) já começou o processo de elevar as taxas de juros. O BCE deve fazer
o mesmo a partir de julho. Isso encarece o dinheiro em todo o mundo e pode
gerar crises da dívida em países altamente endividados.
Por fim, o conflito na Ucrânia deve
continuar por um bom tempo ainda. O avanço russo, quando há, é muito lento. E
Moscou não dá sinais de que vai recuar de seus objetivos, que parecem ser o de
anexar partes do leste e do sul da Ucrânia. As sanções à Rússia e a Belarus
continuarão em vigor enquanto não houver um acordo de paz.
Enfim, há um quadro consistente de
deterioração do cenário econômico global, que deverá se manter ao longo do ano,
talvez até se agravar.
Mas, para influenciar o processo eleitoral
brasileiro, essa piora externa precisa ser sentida pelo eleitor daqui, o que
poderia gerar mais insatisfação até as eleições. E eleitor insatisfeito
geralmente pune o governo de turno. É improvável que o Brasil fique imune a
essa piora, mas não está claro em que escala isso ocorrerá. Além disso, o
governo pode adotar medidas para mitigar esse choque externo, pelo menos até as
eleições.
A inflação possivelmente é o canal de
contágio mais evidente, pois bate imediatamente no bolso do eleitor. Os preços
dos combustíveis continuam sendo reajustados seguindo a cotação externa do
petróleo. Produtos agrícolas também estão sendo reajustadas pelo preço
internacional, como ocorre com o óleo de cozinha.
A persistência da inflação pode obrigar o
Banco Central a estender o ciclo de aumentos dos juros, o que tende a frear
mais a economia.
Uma desvalorização maior do real também
poderá gerar mais pressão inflacionária. A moeda brasileira teve bom desempenho
no ano, em relação aos demais emergentes, mas houve uma acelerada queda nas
últimas semanas. Não está claro ainda qual será o ponto de equilíbrio.
A piora nos mercados financeiros globais
também contagia o mercado brasileiro. Há ainda o risco, como alertou nesta
semana a secretária-geral da Unctad, Rebeca Grynspan, em entrevista ao Valor, de um efeito dominó de
insolvência nos países emergentes mais vulneráveis. O Sri Lanka foi a primeira
pedra a cair.
Até agora o Brasil foi relativamente
favorecido pelo aumento dos preços de commodities que exporta. O país deve
bater recorde de exportação de grãos neste ano.
Mas as condições externas mais adversas
ameaçam mudar esse cenário favorável. Isso pode já estar acontecendo, como
sugere a deterioração do câmbio nas últimas semanas.
Sem querer, o amigo Vladimir Putin colocou um desafio grande à reeleição de Bolsonaro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário