O Globo
Lula está desnorteado, sem saber ao certo
como navegar nas novas águas da economia
O que falta ao governo Lula 3 é uma cara. Os
dois primeiros mandatos do petista tiveram o êxito que se viu, a ponto de
sobreviverem a escândalos de corrupção que mobilizaram o país, como o mensalão,
e de terminarem com a eleição de alguém que nunca havia disputado eleições,
como Dilma Rousseff, porque havia o que mostrar, mas, sobretudo, havia um bom
resumo para a posteridade do que aqueles oito anos representaram na História
brasileira.
Lula chegara ao poder tão ou mais desacreditado pelos agentes econômicos do que hoje, mas estreou oferecendo austeridade fiscal e diálogo com setores mais amplos da sociedade, proposto desde a campanha, com a Carta ao Povo Brasileiro. Saiu, oito anos depois, tendo mantido o controle da inflação legado pelo Plano Real, mas, sobretudo, tendo promovido a ascensão social de um grande contingente de pessoas, graças não só a programas de renda, como o Bolsa Família, mas a um projeto de acesso à educação superior a famílias nas quais nunca havia existido um universitário.
Esse tipo de indicador supera a narrativa
rasa, ainda mais porque foram conquistas logradas num tempo em que as redes
sociais apenas engatinhavam, com o pueril Orkut e os primórdios de seus filhos
hoje crescidos, como o Facebook.
E agora? O que se tem de semelhante àquele
legado em termos de diretriz, de projeto de longo prazo com coerência entre
suas partes para um país que, desde então, é completamente diferente? Nada.
O resultado é um Executivo que se move de
crise em crise, com respostas sempre insuficientes, analógicas, atrasadas ou
completamente alheias à realidade. O episódio da semana é a situação dos
deportados dos Estados Unidos — e ainda não se trata de um grupo diretamente
atingido pela política de terra arrasada de Donald Trump, que tende a
intensificar os envios de brasileiros em situação ilegal.
Dificilmente alguém poderá, em sã
consciência, discordar da correta contraposição do governo às condições
degradantes e indignas com que os brasileiros foram transportados. Mas,
passados três dias, o mais provável é que a administração Lula não consiga obter
nada de concessão — nem o Brasil nem os demais países do continente, aliás.
A pronta ação do Ministério da Justiça e da
Polícia Federal na acolhida aos brasileiros pode até gerar melhora na imagem do
governo, ainda mais em contraste com a babação de ovo da oposição bolsonarista
diante dos arreganhos trumpistas. Foi o primeiro tiro n’água da direita em
muito tempo, aliás, depois de meses surfando em erros de comunicação ou
condução política do presidente e de seus ministros.
Mas isso dificilmente alterará o quadro
captado pela pesquisa Quaest. Diferentemente da avaliação ligeira de alguns
ministros palacianos, ele nada tem de mau humor momentâneo. O que crises como a
do Pix e a da alta de alimentos vão sedimentando é a falta de conexão entre
Lula e o eleitor real, aquele que vai ao supermercado, que usa transporte por
aplicativo ou trabalha para um aplicativo, que está no corre da economia
informal, cujo filho até pode ter se formado graças ao ProUni, mas que já virou
essa página e hoje não guarda nostalgia daquele tempo, pelo contrário.
As reuniões de emergência de ministros para
atender a cada susto semanal produzem só medidas que, além de claramente
desfocadas, evidenciam que Lula está desnorteado, sem saber ao certo como
navegar nas novas águas da economia (incluindo o mundo do trabalho), da
geopolítica e da vida digital.
No caso dos repatriados de Trump, a
entrevista rápida de ministros nervosos comunicou o óbvio: os brasileiros
continuarão a viajar algemados e acorrentados, o que fará com a indignação da
chegada do voo do fim de semana se dissipe no éter.
É preciso não ser apenas reativo, mas se
antecipar aos problemas. Em relação aos Estados Unidos, isso era uma
necessidade óbvia. Só essa real mudança, que não se resolve trocando peças,
evitará que Lula passe dois anos apagando incêndios.
Nenhum comentário:
Postar um comentário