quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

De crise em crise não se constrói imagem – Vera Magalhães

O Globo

Lula está desnorteado, sem saber ao certo como navegar nas novas águas da economia

O que falta ao governo Lula 3 é uma cara. Os dois primeiros mandatos do petista tiveram o êxito que se viu, a ponto de sobreviverem a escândalos de corrupção que mobilizaram o país, como o mensalão, e de terminarem com a eleição de alguém que nunca havia disputado eleições, como Dilma Rousseff, porque havia o que mostrar, mas, sobretudo, havia um bom resumo para a posteridade do que aqueles oito anos representaram na História brasileira.

Lula chegara ao poder tão ou mais desacreditado pelos agentes econômicos do que hoje, mas estreou oferecendo austeridade fiscal e diálogo com setores mais amplos da sociedade, proposto desde a campanha, com a Carta ao Povo Brasileiro. Saiu, oito anos depois, tendo mantido o controle da inflação legado pelo Plano Real, mas, sobretudo, tendo promovido a ascensão social de um grande contingente de pessoas, graças não só a programas de renda, como o Bolsa Família, mas a um projeto de acesso à educação superior a famílias nas quais nunca havia existido um universitário.

Esse tipo de indicador supera a narrativa rasa, ainda mais porque foram conquistas logradas num tempo em que as redes sociais apenas engatinhavam, com o pueril Orkut e os primórdios de seus filhos hoje crescidos, como o Facebook.

E agora? O que se tem de semelhante àquele legado em termos de diretriz, de projeto de longo prazo com coerência entre suas partes para um país que, desde então, é completamente diferente? Nada.

O resultado é um Executivo que se move de crise em crise, com respostas sempre insuficientes, analógicas, atrasadas ou completamente alheias à realidade. O episódio da semana é a situação dos deportados dos Estados Unidos — e ainda não se trata de um grupo diretamente atingido pela política de terra arrasada de Donald Trump, que tende a intensificar os envios de brasileiros em situação ilegal.

Dificilmente alguém poderá, em sã consciência, discordar da correta contraposição do governo às condições degradantes e indignas com que os brasileiros foram transportados. Mas, passados três dias, o mais provável é que a administração Lula não consiga obter nada de concessão — nem o Brasil nem os demais países do continente, aliás.

A pronta ação do Ministério da Justiça e da Polícia Federal na acolhida aos brasileiros pode até gerar melhora na imagem do governo, ainda mais em contraste com a babação de ovo da oposição bolsonarista diante dos arreganhos trumpistas. Foi o primeiro tiro n’água da direita em muito tempo, aliás, depois de meses surfando em erros de comunicação ou condução política do presidente e de seus ministros.

Mas isso dificilmente alterará o quadro captado pela pesquisa Quaest. Diferentemente da avaliação ligeira de alguns ministros palacianos, ele nada tem de mau humor momentâneo. O que crises como a do Pix e a da alta de alimentos vão sedimentando é a falta de conexão entre Lula e o eleitor real, aquele que vai ao supermercado, que usa transporte por aplicativo ou trabalha para um aplicativo, que está no corre da economia informal, cujo filho até pode ter se formado graças ao ProUni, mas que já virou essa página e hoje não guarda nostalgia daquele tempo, pelo contrário.

As reuniões de emergência de ministros para atender a cada susto semanal produzem só medidas que, além de claramente desfocadas, evidenciam que Lula está desnorteado, sem saber ao certo como navegar nas novas águas da economia (incluindo o mundo do trabalho), da geopolítica e da vida digital.

No caso dos repatriados de Trump, a entrevista rápida de ministros nervosos comunicou o óbvio: os brasileiros continuarão a viajar algemados e acorrentados, o que fará com a indignação da chegada do voo do fim de semana se dissipe no éter.

É preciso não ser apenas reativo, mas se antecipar aos problemas. Em relação aos Estados Unidos, isso era uma necessidade óbvia. Só essa real mudança, que não se resolve trocando peças, evitará que Lula passe dois anos apagando incêndios.

 

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