quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Uma obra de autodemolição – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Lula pode até reaver popularidade, mas é difícil recuperar credibilidade

Pesquisas de opinião habitualmente trazem notícias boas e ruins quando se trata da avaliação de governos. A mais recente do instituto Quaest, no entanto, só carrega dissabores para a administração e para a pessoa de Luiz Inácio da Silva (PT).

A tendência de queda na visão positiva e o aumento da negativa vinha se desenhando há algum tempo com certo equilíbrio entre as duas correntes. Agora o levantamento mostra a ultrapassagem dos que desaprovam em relação aos que aprovam tanto as ações governamentais quanto as atitudes de Lula.

Uma curva perigosa, para lá de preocupante se aliada a outros recortes da pesquisa. Houve queda de apoio no grupo de eleitores mais fiéis —nordestinos, mulheres e os mais pobres—, a constatação majoritária de que o governo errou no episódio do Pix, percepção clara dos efeitos da inflação e a violência posta no topo das preocupações do público.

O cenário adverso não é surpresa para os ocupantes do Palácio do Planalto e cercanias da Esplanada. Os dados explicam o afã de Lula em promover uma virada de chave, um recomeço. O chamado segundo tempo do mandato, contudo, começou mal, com claras demonstrações de atordoamento. Nada melhor ocorre ao presidente que convocar "quantas reuniões forem necessárias" para baixar os preços dos alimentos.

Um ministro (Rui Costa) comete o ato falho de falar em "intervenções", outro (Fernando Haddad) apela à impropriedade de atribuir o exercício crítico da oposição a ataques ao Estado democrático. Enquanto isso, circulam versões afobadas sobre soluções adjetivas para problemas substantivos.

Ao suspender a venda da ilusão de que o país vai de bem a melhor e passar a apregoar mudanças, o governo reconhece a situação hostil. Acerta na problemática, mas erra na solucionática quando aposta todas as fichas na forma de se comunicar em detrimento do conteúdo a ser comunicado.

Alguma maquiagem pode até melhorar a popularidade de Lula, mas não há cosmético que dê jeito na difícil recuperação da credibilidade perdida numa obra de autodemolição.

 

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